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Acordes mágicos. Ensino feito música
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Acordes mágicos. Ensino feito música

Cultura: Uma família de seis irmãos ensina como fazer, da música, uma transformação na vida de alguém. O Sexteto Irmãos Cruz toca um projeto social, na periferia de Fortaleza, que ressoa na formação cidadã
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Esta é uma história que passa de pai para filho. Mas que também passa de filho para pai e vai além. É uma história de trocas, feita por muitas mãos – que tocam violões, violinos e flautas ou regem o canto. Mãos que ensinam e, ao mesmo tempo, recebem o aprendizado, transformando a vida de crianças, jovens e adultos da periferia de Fortaleza. Dessa transformação, vem o nome do projeto: Acordes Mágicos.

[SAIBAMAIS] 

O ensino de música erudita, realizado onde era a garagem da casa da família Cruz, quer preencher um grande vão no bairro Novo Mondubim. A iniciativa das aulas gratuitas foi dos filhos mais velhos do pedagogo Bento Cruz, há quase cinco anos. “Eles viram a necessidade da comunidade, a ausência de uma cultura musical no bairro. E viram alguns amigos de infância morrerem (pelo envolvimento com drogas)”, conta.

Agradecimento
Antes, Maíra Cruz, 17, e Axel Brendo, 19, viram o pai se preocupar com os outros. Bento Cruz e seus irmãos também descendem de gerações de músicos e doavam o saber em projetos sociais. “E a gente foi crescendo vendo isso. Eles estão ajudando sempre as pessoas. A questão de se  preocupar com o próximo veio ligada à criação”, espelha Maíra.


Ainda na infância, ela e Axel iniciaram os estudos em música no Sesi (Serviço Social da Indústria) da Barra do Ceará, com o maestro Vazquen Fermanian. O salário do pai, na época letrista, pagava a passagem de ônibus. Os dois cruzavam meia cidade. Depois, ingressaram no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno.
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O projeto Acordes Mágicos - que idealizaram quando Maíra tinha 13 anos e Axel, 15 – é uma maneira de agradecimento. “É um projeto social. Sempre fomos bolsistas das escolas de música que a gente frequentava e teve a questão de agradecer aos professores pelo esforço que eles faziam”, explica Maíra. “E teve a questão da comunidade em si, que a gente sempre morou em ambientes em que a cultura estava, cada vez mais, caindo. E como tivemos acesso a uma coisa diferente, a um mundo que a maioria das crianças e dos adolescentes acha impossível ter, pra quebrar esse tabu, vamos colocar música erudita dentro da comunidade. Vamos transformar vidas dentro da comunidade. Nosso objetivo, no projeto, é formar cidadãos”, une.

Multiplicação
No início, o projeto ocupou a associação de moradores do bairro, mudou-se para uma escola, se fez até na rua e na garagem da casa da família. “A escola era aqui embaixo e a gente dormia lá em cima. Era um quarto pra nove pessoas (o casal Cruz tem seis filhos; um avô também mora com eles)”, restaura Maíra.
 

Até que, em novembro de 2016, o programa Caldeirão do Huck (Rede Globo) fez uma reforma no lugar e o Instituto Silva Cruz/projeto Acordes Mágicos ganhou o devido espaço: um estúdio de gravação, uma sala de aulas, uma copa. Bento Cruz não sabe como a produção do programa se interessou pelo projeto, apenas toca adiante.
 

À primeira vista, não se imagina a amplidão do projeto. Hoje, 468 alunos aprendem algum instrumento de orquestra ou popular (como guitarra), em três turnos (manhã, tarde ou noite). Os 16 monitores são voluntários, alguns são ex-alunos de lá e quatro são filhos do casal Cruz. Bento, diretor da escola - ao lado da mulher, Lane -, busca apoio para bolsas que facilitem o transporte dos professores. 

 

As aulas abarcam música, filosofia, futebol, um mundo de coisas e de gentes. “A música é interdisciplinar”, tece Bento Cruz. Quem sabe ajuda. É nas trocas que o projeto se elabora. “Aqui, não tem essa questão de aluno-professor. Tem a questão de amigos: eu não sei mais do que você e você não sabe mais do que eu. A gente apenas faz uma troca: o que você sabe você me passa e o que eu sei eu te passo”, esclarece Maíra.
 

Mas, e quem não sabe nada sobre música, o que pode oferecer? “A experiência. Você está me dando a experiência de te ensinar e está tendo a experiência de ser ensinado, de aprender alguma coisa”, sublinha a jovem flautista.

 

Saiba mais


A música tem sido uma herança de vida, há gerações, na família Cruz. Desde “bem antes dos avós”, retrata Bento Cruz, pedagogo e diretor do projeto Acordes Mágicos. Vem do tempo das serenatas, serestas, reisados e festas da padroeira pelos Inhamuns (interior do Ceará).

Os pais de Bento migraram para a Capital, justamente, atrás do sonho dos filhos mais velhos: o canto. Houve a chance da fama, em bandas de forró eletrônico, mas houve também a vida real. Vendo os irmãos, Bento queria mesmo era tocar era em banda de baile. Acontece que, aos 19 anos, ele já era pai. Viver da música não sustentava família.

Bento foi criando os filhos, um depois do outro, até que voltou a estudar. Em 2010, concluiu Pedagogia e começou a dar aula de música embalado pela ideia da criação do projeto Acordes Mágicos. Emendou uma pós-graduação em arte-educação e segue pelo caminho da música erudita. A diferença entre os caminhos no mundo musical, ele aponta: “Um depende da sorte, o outro depende de estudo. A música erudita, se você estudar e for bom, não existem portas estreitas”.

 

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