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Comportamento. "Ser ou não ser na web, eis a questão"
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Comportamento. "Ser ou não ser na web, eis a questão"

Cultura: Pesquisa indica que 73% dos brasileiros já quiseram abandonar as redes sociais, mas não conseguiram e optaram por continuar conectados. O POVO discute: por que é tão importante %u201Cexistir%u201D no ambiente online?
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Renato Abê

renatoabe@opovo.com.br
 

Em White Christmas, episódio da série Black Mirror, o público é apresentado a uma realidade em que é possível “apagar” pessoas do convívio cotidiano. Nesse contexto, o protagonista da trama acaba bloqueado pela ex-namorada e não consegue mais vê-la na rua, identificando apenas um borrão confuso quando cruza com ela casualmente. O desenrolar da história deixa claro que se trata de uma reflexão sobre o modo como validamos nossa existência no contexto das redes sociais.
[SAIBAMAIS] 

A delicada questão sobre “ser ou não ser” na web sai da ficção e dialoga também com os nossos dias. De acordo com pesquisa feita pela Kaspersky Lab, 73% dos brasileiros já pensaram em abandonar as redes sociais, mas acabaram optando por permanecer conectado por medo de perder contato com conhecidos, amigos e familiares. A pesquisa feita pela empresa russa especialista em segurança na internet revela que o brasileiro teme “não existir” se estiver offline.
 

“Há uma centralidade dessas praticas comunicativas para legitimar a própria existência do indivíduo. E isso é muito flagrante e preocupante”, analisa Rafael Rodrigues, doutor em linguística com tese sobre redes sociais. Segundo o professor, que é também coordenador do curso de Jornalismo na Universidade Federal do Ceará, as comunidades online acabam criando mecanismos de “existência social” que precisam ser reconhecidos com constância. “Nessas redes, a possibilidade de validação social é organizada em curtidas e comentários, ou seja, é muito estruturada e clara. Acaba representando como o registro do valor simbólico que você tem para os outros indivíduos”, analisa.
 

Para o psicólogo Jailson Andrade, as redes sociais acabam sendo espaços para que cada sujeito performe o que acredita ser sua identidade e, por isso, é difícil abandonar esse “lugar à mesa” da web. “É como se todo mundo estivesse reunido numa mesa e fosse importante manter o assunto, desde o mais banal ao mais importante”, aponta. Segundo o psicólogo, porém, é importante considerar que essa existência online é condicionada ao público com que cada usuário dialoga. “A partir do momento que faço login, eu entro num outro mundo, uma situação paralela em que há um recorte de um mesmo tipo de pensamento. A identidade desse grupo que se forma é diferente da individual”, aponta.

Morto online?
Outra questão importante sobre existência no meio online diz respeito à relação entre a morte real do indivíduo e a “sobrevida” que o ambiente virtual permite. Segundo estudo publicado por Hachem Sadikki, doutorando em estatística da Universidade de Massachusetts, se o Facebook mantiver o crescimento do número de perfis “em memória” (ferramenta que permite que a página da pessoa morta continue ativa), a rede social vai se transformar num “cemitério”. Segundo a pesquisa, se a empresa de Mark Zuckerberg sobreviver até 2098, chegará a esse ano com mais usuários mortos do que vivos.
 

“O luto tem a ver com a dificuldade de lidar com a ausência e, no Facebook, é permitido manter essa presença viva. É uma tentativa de manter o outro no presente e não elaborar o luto”, aponta Jaílson. Segundo o psicólogo, é “pouco saudável” forçar a “existência” no campo virtual e é mais recomendado buscar outras formas de homenagem em que não se “esbarre” com o morto em atividades cotidianas.
 

A Pesquisa e o medo
De acordo com o estudo realizado pela empresa russa Kaspersky Lab, que ouviu 4,8 mil pessoas de diferentes países (sendo 887 do Brasil), o usuário de redes sociais do País não abandona os perfis por medo de ser esquecido. 73% dos brasileiros ouvidos admitiram ter tido vontade de abandonar as redes. Desses, 68% disseram acreditar que, deixando os perfis, perderiam contatos importantes. Em relação às lembranças digitais, o percentual de usuários que afirmaram não deixar as mídias sociais por medo de perdê-las foi de 21%. 

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