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Artigo. Militantes do comum, uni-vos
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Artigo. Militantes do comum, uni-vos

Edição Impressa
Tipo Notícia Por

Sandra Helena de Souza

souza.sandraelena@gmail.com

Professora de Filosofia da Unifor

 

Victor Marques

victorxis@gmail.com

Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC)


Um espectro ronda.


Você defende ciclovias e o direito à cidade, é chamado de... comunista! Estudantes ocupam escolas contra cortes na educação, aparecem rufiões para desocupá-las violentamente com a acusação de que seriam comunistas. Defende causas ambientais? Comunista. Luta por habitação popular? Comunista. Quer mais democracia – participativa e direta? Comunista. Movimento feminista e LGBT? Comunista. Nem o papa escapou: “nenhuma família sem teto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos”, só pode ser comunista.


Comunismo, parece, tornou-se o nome para tudo que há de decente no mundo. Que assim seja.


Pois que é isso – o comunismo? Ideia e movimento.


A ideia de uma sociedade sem classes. Autogoverno de indivíduos iguais e livremente associados, tratar as pessoas como fins e não meios, garantir o direito de livre autodesenvolvimento de cada indivíduo. Não coletivismo, mas individualismo esclarecido: a república social onde nossos laços de interdependência são reconhecidos e cultivados.


Como ideia é eterna e verdadeira. Não à toa é possível encontrá-la em todos os grandes pensadores, de Platão a Kant, incluindo liberais como Thomas Paine e Stuart Mill. Mas é também ideia prática, que se faz carne: nas comunidades cristãs primitivas, nas revoltas de escravos e camponeses, nos jacobinos negros do Haiti, nos conselhos operários da Europa, no levante indígena de Chiapas, nas guerrilheiras curdas do norte da Síria.


Quando uma ideia verdadeira falha, não a jogamos fora. Não se diz: “tentamos a justiça, não deu certo, agora é se resignar à injustiça”. Não é porque não há estado de direito no Brasil que nos contentamos com o arbítrio. Aprendemos com os erros e tentamos de novo, para falhar melhor. E uma coisa aprendemos: não há como lutar pelo comum sem defender liberdades individuais, direitos civis e constitucionalidade democrática.


O salário mínimo, tributação progressiva, limitação da jornada de trabalho, sufrágio universal, sistemas públicos de saúde e educação, seguridade social, são todas realizações parciais da ideia comunista, e tornaram o mundo um lugar mais civilizado. Nada disso caiu do céu, são resultados de duros embates. É o comunismo como o movimento real que transforma o atual estado de coisas. Pois enquanto houver classes, haverá luta. Enquanto houver os de cima e os de baixo, haverá os que se rebelam. Assim é a natureza humana. Quem apela à natureza humana em defesa da inevitabilidade do capitalismo esquece que, nos 250 mil anos da nossa espécie, a sociedade de classes e o trabalho alienado são invenções históricas recentes. O animal humano, mais bem, nunca se adaptará à imensa disparidade atual de riqueza e poder.


Houve quem tentasse nos convencer que não havia alternativa: a globalização como fim da história. O aprofundamento da crise ecológica, a ascensão de Trump e do populismo reacionário, a atual crise prolongada da economia mundial, mostraram se tratar de uma fantasia, delirante e perigosa.


A crise nos força a reinventar futuro, que será comum ou não será. Se fracassaram socialismo soviético e capitalismo neoliberal, o que queremos? Contra a tristeza de um mundo em decadência, enclausurado num eterno presente, devemos oferecer uma militância alegre, irreverente, criadora. Um comunismo desejante que abrace as lutas libertárias das mulheres, do povo negro, dos gays, da juventude insubmissa. Ser comunista hoje é construir o terreno comum onde as diversas lutas possam se potencializar, para criar o novo que sempre vem.


Voltar a sonhar alto, a pensar grande. Tornemos o comunismo sexy de novo.

 

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