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VERSÃO IMPRESSA

Escorraçando o eleitor

2017-08-12 17:00:00
A articulação política para a aprovação do distritão, um novo sistema eleitoral que pretende substituir o atual sistema proporcional pelo voto majoritário para o Parlamento, é mais um passo dado pela representação política em direção a um elitismo ainda mais desbragado. No atual sistema eleitoral, o número de vagas existentes para o parlamento é preenchido através do critério dos coeficientes eleitoral e partidário: os votos recebidos em excesso por um determinado candidato somados aos dados à legenda servem para eleger os candidatos do partido ou da coligação que não alcançarem por si sós o número exigido. Já no distritão essas vagas são preenchidas pelos deputados mais votados, independentemente do partido, e as sobras de voto se perdem, não ficam para
a legenda.

CLIENTELISMO
A justificativa é que isso acabaria com a distorção das coligações parlamentares (quando você crava um partido, e seu voto vai para outro com o qual você não tem a menor afinidade). Mas, na verdade, o distritão cria distorções piores, privilegiando os interesses clientelistas do próprio político, ao invés de expressar um projeto partidário. Ele dá vantagem ao candidato já conhecido, ou que tem mais recursos para se fazer conhecer, privilegiando quem já exerce mandato, o que prejudica a renovação. A tendência é se perpetuarem as mesmas figuras. Os candidatos não se caracterizarão por se filiarem a determinadas correntes de ideias, programas e doutrinas que disputam a condução do País, do Estado ou do Município, através de um partido, mas, girarão preponderantemente em torno de pautas imediatistas, clientelistas
e paroquiais.

OLIGARQUIAS
O distritão tira ainda mais o representante do controle do eleitor e esvazia a organização partidária como instrumento de articulação para a implementação de um projeto político baseado num programa e numa doutrina. Ora, sem partidos fortes dotados de programas claros que deem rumo a sociedade, teremos apenas a prevalência do caciquismo, fazendo o Brasil retroagir a uma situação semelhante à do domínio das oligarquias pré-Revolução de 30. Infelizmente, é esse o País que se desenha depois do golpe parlamentar-judiciário-midiático que derrubou uma presidente eleita pelo povo para implantar, sem consulta aos cidadãos, um programa econômico oposto ao aprovado pelas urnas na última eleição presidencial. Instauraram uma “democracia” na qual o governante - não eleito pelo povo - é rejeitado por mais de 95% da população, o mesmo acontecendo com seu programa de “reformas”. São esses personagens os mesmos que têm o desplante de dirigirem censuras à Venezuela, cobrando-lhe democracia. Mais: aplaudem entusiasticamente Temer por sua “coragem” de esmagar a vontade expressa da soberania popular.

ENCABRESTAMENTO
Num mundo cada vez mais permeado pela informação e pelo acesso universal, on-line, das pessoas aos registros do conhecimento humano, a elite política, encabrestada pela econômica, pretende manter o poder decisório longe do alcance do povo. Por isso surgem essas propostas regressivas como o distritão e o parlamentarismo de ocasião (este, aliás, já derrotado duas vezes em consulta direta à população). O parlamentarismo casuístico é a proposta dos que não têm votos para ascender ao poder democraticamente e é usado, mais uma vez, para impedir que um candidato das correntes populares chegue ao poder. Em 1961 foi contra João Goulart. Agora é contra Lula, campeão das pesquisas eleitorais. A burguesia brasileira continua reacionária e antidemocrática.

RESTAURAÇÃO
Ora, a sociedade da informação exige instituições políticas adequadas ao seu patamar tecnológico, que permite ao cidadão participar – sem intermediários – do processo decisório público. Isso foi intuído pelo constituinte de 1988 ao abrir a previsão legal para a instituição da democracia participativa, mas, isso logo foi travado pela direita e sepultado praticamente pelo golpe reacionário de 2016. Durante o período da Restauração, pós-Revolução Francesa, as forças absolutistas imaginaram também que travariam as rodas da História. Ledo engano. É o mesmo que pensam, provavelmente, os reacionários brasileiros, ora triunfantes. Já o haviam feito o mesmo em 1937, 1947, 1954, 1961, 1964, para impedir transformações sociais favoráveis às camadas populares. Repetiram, agora, em 2016. Após cada uma dessas investidas contra a democracia, o povo, como um “João-teimoso”, ergueu-se de novo. Por que seria diferente, desta vez?

OUTRO DIA
Cedo ou tarde, retornarão as bandeiras empunhadas pelos lutadores da transformação social, em favor da construção de uma sociedade generosa em que caibam todos. No mínimo, para retomar o estágio em que cada brasileiro tomava, pelo menos, as três refeições básicas, diárias, e onde o trabalhador tinha perspectivas de dignidade e esperança e não de humilhação, semiescravidão e desesperança, como hoje. E onde os filhos dos pobres não enfrentavam situação pior do que a dos gatos abandonados. Estes ao menos encontram almas caridosas que se comovem com sua situação.

Valdemar Menezes

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