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Mundo caçoa do Brasil

2017-02-25 17:00:00

A aprovação, pelo Senado, do ex-ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, para o Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo após as dezenas de denúncias contra ele, foi tão acintosa que repercutiu na opinião pública mundial como um sinal de descrédito nas instituições brasileiras. O nonsense foi retratado na manchete mordaz do jornal francês Libération: “Au Brésil, un ministre accusé de corruption devient juge... anti-corruption” (“No Brasil, um ministro acusado de corrupção se torna juiz...anticorrupção”). A imagem do ridículo já tinha sido carimbada na testa do País, anteriormente, por causa das cenas grotescas da sessão da Câmara dos Deputados que autorizou a instauração do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff. De lá para cá, o prestígio e a respeitabilidade anteriores do País só fizeram rolar ladeira abaixo.

ILUSÃO
A elite dirigente nacional parece ter perdido qualquer pudor de aparecer como coveira da democracia, confirmando antiga tradição. Seu comportamento em relação ao sistema democrático sempre foi igual ao daquele menino rico em relação à pelada de rua. Quando o time do garoto começava a levar gols, ele colocava a bola debaixo do braço (alegando ser propriedade sua), acabando com a partida. No presente momento, o País já deu passos para entrar num novo ciclo pré-ditadura, assistindo à instalação paulatina de um Estado de Exceção, cada vez mais ostensivo. Os responsáveis não dão mostras de se importar para os riscos de se criar uma situação incontrolável. O certo é que a democracia, no Brasil, continua sendo uma meta longínqua: quando se imagina tê-la alcançado, os poderosos se encarregam de desfazer a ilusão.
 

INDÍGENAS
A reviravolta ocorrida no País, desde a tomada do poder pela direita, criou um clima de apreensão entre as minorias temerosas de retrocesso em seus direitos. Aí se situam os povos indígenas, cujas terras são cada vez mais cobiçadas. No Ceará, não é diferente. Os Tapeba travam, neste momento, uma luta desesperada para manter ao menos uma ínfima parte de seu território ancestral. Receberam ordem de despejo de uma área ocupada por eles mesmos e reivindicada como parte de seu patrimônio ancestral. É que o Tribunal Federal da 5ª Região acolheu o pedido de reintegração de posse impetrado por duas construtoras interessadas em construir um empreendimento no local. A área vinha sendo utilizada para plantio, ajudando no sustento de 80 famílias. A ocupação, segundo os índios, foi também para acelerar o processo oficial de demarcação, cuja finalização depende, apenas, de confirmação por parte do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC).

VOZ DO PAPA
A ação contra os Tapeba ocorre no momento preciso em que o papa Francisco acaba de encerrar o 3° Fórum dos Povos Indígenas, convocado pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), agência da ONU que pretende financiar projetos para comunidades indígenas. O pontífice lembrou que “as Comunidades autóctones são um componente da população a valorizar e consultar, e cuja participação nos planos local e nacional deve ser favorecida. Não se pode permitir uma marginalização nem uma divisão em classes”. Sobre o papel dos índios na preservação ambiental o pontífice lembrou: “Viveis o progresso com uma atenção especial à mãe terra. Neste momento em que a humanidade peca gravemente, deixando de cuidar da terra, exorto-vos a continuar a dar testemunho disto (...) não permitais aquelas [tecnologias] que destroem a terra, que destroem a ecologia, o equilíbrio ecológico e que acabam por destruir a sabedoria dos povos”.
 

HERANÇA
A Defensoria Pública da União (DPU) no Ceará havia afirmado à imprensa que “famílias indígenas (...) buscam fazer valer os dispositivos constitucionais que lhes garantem a posse das terras tradicionalmente ocupadas”. Argumentara ainda que o pedido das empresas não deveria proceder, pois a parte autora “não tinha domínio sobre o bem reclamado” conforme laudo sociológico produzido pelo órgão. “Relatórios da Funai elucidaram que a formação daquele povo se deu a partir da reunião, sob domínio dos missionários jesuítas, de quatro povos indígenas (Potyguara, Tremembé, Kariri e Jucá), no Aldeamento de Nossa Sra. dos Prazeres na passagem dos séculos XVII ao XVIII - o qual foi posteriormente transformado em Vila de Soure e, finalmente, na cidade de Caucaia”.

OLIGARQUIAS

Contudo, as empresas parecem insistir que têm a posse legal do terreno. Se assim for, uma solução conciliatória talvez fosse elas pedirem indenização ao Estado. Não pareceria lícito que um interesse particular privado prevalecesse sobre os direitos seculares de um povo inteiro. A luta dos povos indígenas locais vem desde 9 de outubro de 1863, quando a Assembleia Provincial do Ceará, dominada por proprietários rurais, votou uma lei declarando extintos os índios na Província do Ceará, o que permitiu a investida das oligarquias locais sobre o que restara das terras indígenas ancestrais.

Valdemar Menezes

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