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VERSÃO IMPRESSA

Desfaçatez e arrogância

2017-02-11 17:00:00

A nomeação de Moreira Franco para a Secretaria Geral da Presidência, recriada para ele com status ministerial (apenas dois dias depois de o STF homologar delações que o citam 34 vezes como envolvido na corrupção da Odebrecht) escandaliza o Brasil e revela o desprezo que o atual governo devota aos referenciais democráticos. Não poderia ser diferente, já que o próprio Michel Temer não deve seu cargo à soberania popular, mas ao 1% que empalma o poder real no País e no mundo. Pouco se lixa se está agradando ou não, mas, sim, se executa o que foi combinado com esse poder oculto. Resta saber se o País se manterá de pé até que ele entregue a encomenda prometida aos seus patrocinadores. Um simples olhar pelo retrovisor permite visualizar os pedaços da engrenagem que vão se soltando pelo caminho, após a passagem do comboio demolidor. Junto aos escombros, o choro e ranger de dentes dos deserdados e enganados.


HEMORRAGIA
A esse espetáculo deprimente somou-se o outro da indicação para ocupar a vaga do falecido ministro Teori Zavascki, no STF, de um nome contestado por advir do núcleo do poder, no momento em que a Lava Jato - mesmo desgastada por suas incongruências - se vê obrigada a focar o coração do poder. A leitura inevitável é que o escolhido vai com missão de “estancar a hemorragia”, a partir de uma situação privilegiada, ao compor o tribunal que vai julgar os alegados delitos dos que o enviaram para lá. Contudo, haveria uma razão mais tangível para desaconselhar a indicação: a passagem polêmica de Alexandre Moraes em cargos públicos que exigiam sintonia fina com a democracia. Basta conferir sua atuação truculenta na Secretaria da Segurança de São Paulo e no próprio Ministério da Justiça, onde o respeito aos direitos humanos passou longe do que se poderia esperar de alguém que tem por ofício zelar pelo ordenamento jurídico. Mais: para ocupar um cargo importante renegou princípios anteriormente defendidos publicamente, como revelou exaustivamente a mídia.
 

CONVULSÃO
A crise social espoca por todos os poros do organismo social – uma pedra cantada desde que se consumou a gambiarra feita no aparato institucional do País, por aprendizes de feiticeiro, para retirar ilegitimamente do poder a presidente eleita do País. Trincado o cristal da legitimidade, não há Durepox que impeça a expansão do dano. Logo, logo, todo o edifício legal estará rachado de alto a baixo. Não é à toa que motins policiais devastam o Espírito Santo e chegam à Praça dos Três Poderes, junto com a violência dos deserdados. Uma bomba relógio prestes a levar pelos ares instituições que simulam democracia e que brincam de cabra-cega com a ira popular.

CONSENSO
Seria estupidez, contudo, assistir de braços cruzados à instalação do caos e ao crepitar incendiário movido a ódio. Há gente apostando nisso para alcançar fins inconfessáveis, pois consideram a democracia um estorvo. Apostar na lógica da repressão, entretanto, é apagar incêndio com gasolina. Só há uma maneira exequível de conter a escalada de descontrole: a recomposição da legitimidade. Às lideranças referenciais que restam ao País – Lula e Fernando Henrique – cabe a obrigação de se sentarem numa mesa de negociação e criarem as condições mínimas de consenso, desde que avalizados pela fonte da legitimidade: o povo. Só as urnas, através de uma eleição geral, com novas regras de unção popular, transparentes, democráticas e despidas de simulacros e de interferências manipulatórias de certos monopólios de comunicação podem desviar o Brasil da rota do desastre. Não há tempo a perder.
 

PADILHISMO
À pauta regressiva do atual governo na área social, previdenciária e trabalhista se soma à da entrega do patrimônio nacional e do abastardamento da soberania do País. No meio ambiente, o processo avança como uma escavadeira, com o aval de Eliseu Padilha. O desmatamento à jato procura criar uma situação irreversível. Os ruralistas querem reduzir em 65% as Unidades de Conservação já instituídas: 10.763 km²
(algo como metade de Sergipe) de matas conservadas, segundo estimativas. Só o Amazonas viu desaparecer 1.099 km² de matas, no ano passado, contra 712 km² em 2015. Os dados são da Folha de S. Paulo.

 

COBIÇA Não fica nisso: Padilha quer avançar também sobre as terras indígenas. Para isso já removeu um obstáculo a seus planos: Walter Coutinho Júnior, diretor da Funai, responsável pela área de demarcações de terras. Ele foi exonerado, sob as bênçãos do poderoso ministro, dia 8 passado, depois de criticar uma portaria do Ministério da Justiça (cujo titular, Alexandre de Moraes, foi brindado com a indicação para o STF) alterando as regras de demarcação de terras indígenas no País, para atender à pressão dos ruralistas. Nos EUA, isso levou à extinção prática dos povos indígenas, no fim do século XIX, por cobiça de fazendeiros. Só que estamos no século XXI e em plena vigência da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

 

Por Valdemar Menezes 

 

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