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Poço
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Poço


Inúmeros livros estão sendo escritos neste exato momento. Um dos mais bonitos tem surgido, palavra a palavra, das mãos de uma médica cearense com uma belíssima história para contar. Ela está transformando a maior luta e a mais plena experiência profissional de sua vida em um romance, um texto literário.


Toda grande história nasce de um “e se?”. Pois imaginemos: e se o trabalho de uma médica, no meio de uma região pobre do Ceará, salvasse a vida de centenas de homens? E se, para isso, ela contasse com a ajuda de um deles, Joel, à beira da morte? Parece ficção, tem as feições de um grande filme. Mas é real. É pura vida.


O título do livro é Poço, e conta todo o processo vivido pela pneumologista Márcia Alcântara Holanda na identificação e luta pela erradicação da silicose nos cavadores de poço da região da Ibiapaba. O texto poderia ser um tratado técnico, uma explicação científica sobre a doença. Isso ela já fez. Publicou artigos, apresentou trabalhos em congressos, ganhou prêmios e o reconhecimento da comunidade acadêmica.


Agora ela quer jogar luz nos meandros emocionais e humanos dessa experiência. Quer narrar, com feitio literário, as cenas que nunca sairão da sua memória, da sua pele. Na serra da Ibiapaba, centenas de homens dedicavam a vida a perfurar poços sozinhos, aspirando a poeira que os levaria a morte. Um acaso do destino levou Márcia a conhecer um deles, já nos últimos sopros de vida. Ele confessou sua atividade, e, por sua causa, a médica chegou à conclusão de que a silicose estava matando aquelas pessoas, pouco a pouco. E que ela tinha nas mãos uma missão.


Ao abraçar a causa, Márcia começou uma luta não só contra uma doença. Era muito maior que isso. A luta tinha caráter político, social e econômico. Ela, sozinha, contra obstáculos gigantescos. Felizmente, quase nada a fazia esmorecer.


Márcia é minha aluna do Ateliê de Narrativas, pela segunda vez. Quando idealizei um curso para escritores, não fazia ideia de que teria a grande felicidade de colaborar com trabalhos dessa magnitude. Ajudar Márcia a dar voz a essa realidade esquecida, a iluminar a vida de um herói como foi Joel, como foram tantos outros, é uma das maiores realizações do meu trabalho.


É assim que uma vida faz sentido: na coragem de permitir que as experiências sejam enlaçadas, sentidas, compartilhadas. Ver o Poço escrito e publicado será uma alegria tão grande quanto ver uma criança nascer. Os dez anos de luta e vitória dessa pequena grande mulher serão do conhecimento de todos, e fazer parte disso é uma honra.


Poço fala da alma dessa médica, mãe de três filhos, que descobriu em um dos seus pacientes, o Joel, um herói. Um grande amigo, um exemplo, um cúmplice. Que esteve com ele no minuto da sua morte. Que venceu. Venceu a luta contra a silicose e a maior batalha de todas, que é chegar à maturidade com alegria.


A escrita do Poço é um marco para Márcia, uma metáfora de relato de uma vida inteira. Ela é uma mulher livre, sorridente, divertida, bem humorada, apreciadora de música, teatro, artes plásticas, café e tapioca. Mãe, avó, bisavó, amiga. Uma das alunas mais aplicadas que tive. Uma alma gigantesca.


Que sorte a minha ter inventado esse Ateliê de Narrativas. Que beleza poder colaborar com tantos escritores em formação, com grandes histórias para contar.


Poço é uma delas. É uma metáfora. A vida, às vezes é muito difícil. O amor, a coragem e o sentimento de missão são caminhos possíveis para o encontro da felicidade. Poço é uma luta que virou sonho, um sonho que vai virar livro.



Foto do Socorro Acioli

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