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Grito em português
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Grito em português


Estamos todos nos lembrando dele. Desde domingo, as músicas de Belchior tocam mais alto, em vozes coletivas. Não importa se antigos ou recentes, os fãs estão comovidos com sua partida final após uma despedida lenta, acenada nos últimos dez anos. Decidiu sair de cena, retirar-se, estar distante do que, até então, foi seu trabalho. Alguns exigiam respeito, outros clamavam por sua volta. Todos sentiam falta.


O que sempre me intrigou no afastamento de Belchior foi lembrar suas palavras na única vez em que estive com ele. Éramos um grupo de estudantes de jornalismo, coordenados pelo professor Dalwton Moura, que substituía o mestre Ronaldo Salgado na condução da Revista Entrevista. Esse foi e continua sendo um dos projetos mais importantes do curso. Fazer parte dele implicava lidar com imensa responsabilidade.


Quando chegou a nossa vez de elaborar a revista, os entrevistados foram a médica Zilda Arns; o Senhor Zairton, personagem emblemático na história da Praia de Iracema; Plácido Cidade Nuvens, ex-reitor da URCA e fundador do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri e o cantor Belchior. Investimos muito tempo na preparação dessas entrevistas, na pesquisa sobre os personagens, em leituras, telefonemas, para construirmos uma narrativa por meio das perguntas.


Seu Zairton morreu em maio de 2003, em decorrência de uma pneumonia. Zilda Arns faleceu em janeiro de 2010, enquanto inaugurava os trabalhos da Pastoral da Criança em Porto Príncipe, no Haiti. Ela acabava de proferir um discurso dentro de uma igreja, quando o teto desabou por causa do terremoto. Plácido Cidade Nuvens partiu em novembro de 2016, por problemas de saúde. E agora o último, Belchior, acaba de nos deixar.


A entrevista aconteceu no salão de festas do apartamento da avó da colega Clícia Weyne. Belchior pediu permissão para fumar e acendeu um charuto. Pela minha posição e pelo rumo do vento, aspirei cada tragada como se fosse eu mesma a fumar. Pena que os áudios e o texto dessa entrevista ainda não estão disponíveis, mas torço para que sejam localizados e publicados.


O que temos é precioso: algumas horas da fala de Belchior completamente relaxado, confortável, refletindo sobre o seu lugar no mundo. Ao falar da infância, Belchior disse que sabia da condição de ser uma criatura iluminada, predestinada a fazer grandes coisas. Ele disse isso com uma certeza tão serena que não pude esquecer.


Belchior, um poeta brasileiro, escrevendo em português, cantando como cearense que era, usando trejeitos e sotaques, tinha consciência de que ser poeta é necessário, por mais que o mundo insista em dizer que não. Ele fez da poesia profissão, até o fim. É só nisso que penso quando vejo tantas, tantas pessoas, no Brasil inteiro, citando suas frases na hora da despedida. Precisamos de versos, de música, de poesia. Isso não é o enfeite, é parte essencial da vida. É o que nos fortalece.


Foto do Socorro Acioli

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