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A peste
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A peste


Eu tinha a sensação de que as pestes e pragas eram coisas do passado. Que as doenças das pulgas, dos ratos pretos e outros seres insubmissos eram maldições presas nas páginas da Bíblia, na literatura de Albert Camus, nos filmes, na nossa memória remota da Baixa Idade Média.


Eu tinha a convicção de que o avanço da medicina, dos conhecimentos sobre saneamento básico e do descarte adequado do lixo nos conduziriam a uma vida melhor nesse planeta. Eu tinha a certeza de que o intercâmbio de médicos e outros profissionais para centros de pesquisa avançada em medicina nos proporcionaria um avanço na atenção à saúde e que teríamos, pouco a pouco, mais qualidade de vida. Que a geração das minhas filhas encontraria uma Fortaleza melhor para habitar.


Mas a realidade mostra que eu estava completamente enganada. Estamos vivendo um pesadelo que atende pelo nome de chicungunya. O vírus é transmitido por mosquito, sabemos disso há tempos. A reprodução é rápida, em água parada. Qualquer pote de água vira berçário. Há quem não saiba desse fato entre nós?

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Os relatos são desesperadores. Com uma rápida enquete no Facebook, o sociólogo Júlio Lira contou mais de doze mortes de parentes e amigos dos seus contatos, por causa da chicungunya. Na maioria, idosos. A doença é debilitante mesmo quando invade um corpo jovem e forte. Em pessoas com baixa imunidade, pode ser fatal.


A doença está transformando as ruas da periferia em cenário de filme de terror. Pessoas com dificuldade de andar, encurvadas, de pele avermelhada, inchaços nas extremidades. Crianças internadas, algumas nas UTI’s - quando tem a sorte de encontrar vaga. O que impera é a falta de médicos, de exames, de orientação.


A única resposta que temos diante desse cenário apocalíptico vem em um número exato: 81% dos focos de mosquito transmissor estão dentro das casas das pessoas. Esse número preciso me impressiona, fiquei pensando como chegaram a um dado tão certeiro.


É claro que a população precisa assumir sua parcela de responsabilidade. Estamos todos conectados, vivemos na mesma cidade. O mosquito que nasce lá voa até aqui e vice versa. Verificar pontos de acúmulo de água é simples, deve fazer parte da rotina da família. A mobilização deve ser de todos. Minha, inclusive.


Mas passo pelas ruínas das casas demolidas da Via Expressa, por exemplo, e vejo que estão cheias de lixo e acumulando poças de água. Há muito lixo nas calçadas. Se estamos em uma epidemia, isso não é uma emergência? E em casos emergenciais, as medidas não precisam ser radicais? O dinheiro público não deveria ter como prioridade o investimento no cuidado com os doentes?


O número de profissionais no controle porta a porta não deveria ser triplicado? Ao invés de culpar a população, não é melhor cuidar e educar pessoas? A Universidade Federal do Ceará tem feito uma campanha efetiva, felizmente.


Mas a distribuição de repelentes gratuitos para crianças e idosos não deveria ser urgente? Cuidar das pessoas, custe o que custar, não seria o procedimento prioritário?


Enquanto a peste voa sobre nós, amigos e família ajudam uns aos outros. Inhame, suco de goiaba, própolis, citronela e muita reza pela saúde. Sorte de quem tem fé.


Foto do Socorro Acioli

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