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Para escrever, precisamos uns dos outros
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Para escrever, precisamos uns dos outros


Poderia ser roteiro de um filme: trinta e três pessoas decidem dedicar oito sábados de sua vida a um curso de Escrita Criativa dentro de uma livraria. A maioria não se conhece, nunca se viu. Cada um vem de um lugar diferente do outro. As idades vão desde os quatorze anos de uma garota talentosa, que ainda está na escola, aos mais de setenta anos de uma médica genial que estuda neurociência e enxerga o poder da narrativa na medicina.


Ainda sobre a diferença das profissões, destacam-se os profissionais de psicologia e alguns ligados ao direito, especialmente na área criminal – os mais engraçados da turma, é importante ressaltar. Temos também professores de idiomas e literatura, de yoga, funcionários públicos, jornalistas, médicos, profissionais da área de economia e administração. Pensando bem, podemos fundar uma cidade.


O objetivo é comum e individual, ao mesmo tempo. Cada aluno precisa desenvolver um projeto de romance, conto, novela ou roteiro durante o tempo dessas oito aulas, aproximadamente dois meses. Esse é o propósito palpável, o objetivo concreto dessa jornada. Mas há muito mais pairando no ar. Para escrever, precisamos uns dos outros.


No primeiro dia de aula, convidei os alunos a brincar de biografia inventada. Pedi que formassem pares com pessoas desconhecidas do grupo. Depois, sem ter o direito de fazer nenhuma pergunta, eles deveriam escrever a possível história de vida daquela pessoa diante de seus olhos. Dali surgiria todo o poder da percepção, intuição, preconceitos, sensibilidade, criatividade. Principalmente, desse exercício, começaria a nascer a empatia.


Depois de escrever, cada um teria de ler a carta diante do seu personagem. Começava a ficar claro o estilo de cada um. Algumas descrições foram milimétricas, visuais, passando pela roupa, tatuagem, acessórios. Outras navegaram no campo dos sentimentos escondidos, adivinhando sonhos e histórias de amor. O curioso foram os acertos, parecia adivinhação.


Pedi aos alunos que escrevessem uma carta para alguém muito importante em suas vidas, vivo ou morto, contando do seu projeto de escrita e dizendo, ao final, o que sentiriam ao ver o texto realizado. Na sessão de leitura em voz alta, surgiram cartas para a mãe que já partiu, o ex-amor, o melhor amigo, e compreendemos onde esse curso pode levar cada um deles.


O poeta Antonio Machado disse que não há caminho, faz-se o caminho ao andar. Esse curso é uma caminhada. Sigo adiante, na missão de guia, pela sorte de ter vivido um pouco mais da trajetória literária e por ter imenso prazer em doar tudo que sei. Estamos todos andando juntos e, no fim das contas, sou a maior aprendiz.


O percurso da escrita só existe porque estamos cercados de pessoas por todos os lados. Acompanhar essa construção coletiva, esse crescimento em conjunto, cada um do seu jeito, é motivo de muita alegria.


No fim das contas, são trinta e três pessoas dedicadas a entender a literatura no equilíbrio perfeito entre imaginação e técnica, buscando a própria voz literária, aumentando o tamanho do lugar de felicidade nas suas vidas. Muitos desses projetos pretendem dar voz a quem não pode falar. É disso que mais me orgulho. Literatura, para mim, é sempre um movimento de encontro.


Foto do Socorro Acioli

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