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A ourivesaria dos livros pequenos
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A ourivesaria dos livros pequenos


Há anos, eu li uma frase de Blaise Pascal que nunca consegui esquecer: “Desculpe pela carta longa, não tive tempo de escrever uma menor”. A reação mais fácil diante dessa frase é o estranhamento. Não seria o contrário? Quanto mais palavras depositadas no papel, mais tempo teríamos que dedicar à tarefa da escrita? Quem responde é Clarice Lispector, com outra frase difícil de apagar da memória: “Que ninguém se engane: só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”.


A vida de um leitor prova o quanto essas sentenças são plenas de verdade. Há livros enormes, gigantescos, que poderiam ter sido escritos em dez páginas, ou menos. E que não valem as horas dedicadas à leitura das palavras escolhidas para a maratona que o texto propõe. Infelizmente. Lamentamos pelas árvores derrubadas, pela tinta derramada em vão, pelas horas de trabalho dos gráficos, pelo dinheiro gasto na compra, pelo tempo perdido entre as letras. Isso é bem comum, existem muitos dessa categoria por aí.


Raridade mesmo é encontrar um livro pequeno, leve, de bolso, com poucas páginas, capítulos curtos e que seja arrebatador. Um exemplo de joia rara é o maravilhoso Como um romance, do escritor francês Daniel Pennac. Acho que não exige mais que uma hora de leitura. Talvez menos. O tempo que ele deixa em quem leu, isso sim, é infinito. Suas palavras são pontes para vários lugares.


Há uma despretensão no texto que garante a leveza. Parece que o autor escreveu completamente comprometido com o prazer, sem nenhum desejo de impressionar ninguém. Uma confissão genuína de sentimentos. O tema: a leitura. Daniel Pennac é professor de jovens e dedica o livro a pensar sobre o começo da vida de um leitor, o desenvolvimento da paixão pela literatura, essa relação forte e profunda como um romance.


Esse foi o primeiro livro indicado no Grupo de Estudos de Narrativa do Ateliê de Escrita Criativa. O intuito foi refletir sobre os leitores que somos antes de partir para a aventura de escrever. Nenhum escritor pode iniciar uma aventura pela construção de narrativas sem ser, antes disso, um leitor minimamente treinado e completamente apaixonado.


O texto de Pennac diz coisas tão comoventes que é preciso afastar o livro da vista e sorrir. Ou chorar um pouco. Por exemplo: que nossos livros preferidos estão atrelados a pessoas que amamos. Esse mesmo, Como um romance, foi presente de uma amiga muito querida, que me deu o original em francês.


No Grupo de Estudos, a recepção desse trabalho foi de uma beleza inesperada. A leitura despertou depoimentos lindos. Da aluna que só começou a amar a Literatura depois dos trinta anos, de outra que entendeu melhor seu papel de professora e mãe diante de um futuro leitor e de mais outra que foi tomada pelo ímpeto de lutar pela difusão da leitura.


Soube que Daniel Pennac morou em Fortaleza nos anos 1980. Que privilégio tivemos. Não consegui descobrir nada sobre sua passagem por aqui, se escreveu algo sobre a cidade, quanto tempo ficou, onde morou. O que sei é que ele conseguiu um feito raro: preparar um livro pequeno e delicado com o valor de uma joia preciosa. No fim das contas, acho que todo escritor deveria buscar esse objetivo na sua vida: ter tempo suficiente para escrever um livro-pérola.


Foto do Socorro Acioli

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