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O terror como arma política

2017-05-01 01:30:00

 

Em meio à crise vivida na segurança pública por causa dos ataques a ônibus e prédios públicos ocorridos nos dias 19 e 20 de abril, uma declaração do governador Camilo Santana passou quase batida. Em entrevista, ele classificou os atos da seguinte maneira: “O que está acontecendo é terrorismo e isso vai ser combatido”. À primeira vista pode até parecer exagero, mas uma análise mais atenta sobre a definição do que é terrorismo pode explicar o que ocorre no Ceará.


O conceito de terrorismo é bastante complexo. Além de possuir manifestações e motivações diversas, para alguns estudiosos um ato terrorista pode ser cometido até mesmo pelo próprio Estado. Baseando-se nos elementos comuns em toda essa discussão, podemos compreender o terrorismo como uma estratégia política que se vale de meios violentos e da imposição do medo a fim de que a vontade de um grupo prevaleça. Nesse aspecto, não soa fora de propósito afirmar que o que aconteceu em Fortaleza, em abril, foi um ato terrorista. Isso não se deve somente ao pânico causado à população, contudo, mas ao fato de as facções encarnarem o papel de sujeitos políticos com interesses frontalmente contrários ao Governo do Estado.


Quando pede desculpas ao público, o Guardiães do Estado (GDE), apontado como autor dos atentados, assume uma postura de agente público na luta pelo direito a ser ouvido: “Infelizmente, tivemos de tomar essa decisão para que nossa voz fosse ouvida por esse governo corrupto que vem tirando o sossego dos irmãos que se encontram privados”. A “corrupção” do governo e os graves problemas do sistema penal são a motivação para os ataques que, a partir de agora, deverão se concentrar nos agentes estatais, conforme o comunicado da facção. Ao rever a estratégia de atuação, a intenção é obter apoio popular contra um governo responsável pela “opressão e maus tratos”.


O que as mensagens do GDE não revelam é a guerra velada mantida pelas duas principais organizações criminosas do País, Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC), com reflexos em quase todo o território nacional. Em reportagem publicada ontem, na Folha de S.Paulo, é possível ter uma noção da extensão desse conflito e das ramificações de tais grupos. A causa de toda a hostilidade seria a proibição de o PCC realizar “batismos” (ritos de iniciação na organização criminosa) em estados dominados por grupos rivais, inviabilizando assim a incorporação de novos membros. De acordo com o levantamento feito pelo jornal, haveria 2.403 “irmãos batizados” pelo PCC no Ceará. Isso faz com que o nosso Estado se torne o terceiro em número de filiados à facção no Brasil, ficando atrás apenas de São Paulo e Paraná.


A origem do PCC remonta a 1993, quando um grupo de oito detentos criou um time de futebol intitulado “Comando da Capital” que veio a se tornar uma organização criminosa. O combate à opressão no sistema prisional e a vingança dos 111 presos mortos no Massacre do Carandiru eram as principais bandeiras do PCC em seu surgimento. O remanejamento dos líderes para presídios em outros estados além de não enfraquecer a organização fez com que o grupo estendesse seu alcance para além dos limites de São Paulo.


É nesse ponto da história que PCC e Guardiões do Estado se encontram. A facção cearense é tida como aliada da organização paulista em oposição ao Comando Vermelho e à Família da Norte (FDN). Pouco se sabe sobre como o Guardiães do Estado surgiu e como atua. Um vídeo no Youtube com cerca de 51 mil visualizações intitulado “Hino da Família GDE” revela, em ritmo de funk, como teria sido a origem do grupo: “Em 1º de janeiro de 2016 os irmãos se reuniram mais uma vez, mas dessa vez foi decidido o melhor ‘pra’ todo mundo e assim que foi fundado o nosso estatuto e todos fiquem sabendo aqui o crime é organizado”. Dentre os valores defendidos pela facção destacam-se a “lealdade, igualdade, transparência e união dentro e fora da cadeia”. O hino traz ainda diversas referências à ideologia e ao poderio da GDE como uma forma de marcar território em relação às demais.


Diante de tal cenário, é preciso que o Governo do Estado promova um esforço de integração das ações da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e da Secretaria da Justiça (Sejus), haja vista o claro processo de retroalimentação entre o que ocorre dentro e fora dos presídios. Se de início o acordo entre grupos rivais ajudou a reduzir os índices de homicídio, hoje percebemos o quanto essa “pacificação” foi frágil. O terror voltou a ser a palavra de ordem e ninguém está a salvo.


P.S. Coluna escrita sob o luto e a trilha sonora de Belchior. Obrigado, poeta!

 

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