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Políticas juvenis e os limites da "paz"

2017-03-06 01:30:00

Ricardo Moura

O jornalista escreve esta coluna quinzenalmente

ricardomoura@opovo.com.br


Pablo Israel de Sousa Lopes,18, foi assassinado no último dia 7 de fevereiro com cinco tiros enquanto participava de um baile de reggae conhecido como Cuca Roots, no anfiteatro do Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cuca) Jangurussu. A morte do adolescente passou quase que despercebida pelos meios de comunicação, mas ela sinaliza o que pode ser um ponto de virada no processo de “pacificação” das gangues que ocorre nas periferias de Fortaleza além de escancarar os limites das políticas voltadas aos jovens.


O Cuca Roots era uma ação cultural promovida pelos jovens do Jangurussu que vinha sendo realizada às terças-feiras no anfiteatro do Cuca. Congregava jovens de toda a Capital e até mesmo de municípios vizinhos, como Caucaia e Maracanaú. Segundo relatos, antes de haver um baile naquelas redondezas, a juventude que curtia o reggae de raiz tinha de se deslocar dos limites de Fortaleza até a Praia de Iracema, um trajeto longo e tortuoso em busca de lazer e cultura. Hoje há algumas experiências semelhantes de bailes de reggae na periferia. O Bonja Roots é um exemplo disso.


A experiência do Cuca Roots surgiu no mesmo período em que começaram os rumores de que as gangues do bairro haviam firmado um acordo de não-agressão, em fevereiro do ano passado. Conforme a coluna apurou, há quatro lideranças disputando o controle do tráfico na área. Eles são tratados como os “pilares” que sustentariam toda a rede local de comércio de entorpecentes. Graças a um entendimento entre esses líderes, no entanto, alguns jovens puderam percorrer livremente o Jangurussu e descobrir o que havia de políticas públicas para eles no Cuca. Recentemente, contudo, uma desavença entre os “pilares” pôs fim ao sentimento de segurança experimentado pelos moradores e um dos resultados foi o trágico fim do jovem Pablo.


A tragédia ocorrida durante o Cuca Roots merece um olhar mais atento por parte de quem está à frente do poder público. As políticas juvenis precisam estar articuladas com o que ocorre no entorno de suas instalações e não restritas somente ao que acontece no interior de seus muros. A resposta dada pela Prefeitura ao crime foi tímida. Segundo a assessoria de comunicação da Rede Cuca, o evento foi promovido pela comunidade sem que houvesse qualquer relação com as atividades da instituição. Além disso, foi informado que a execução ocorreu fora das dependências do Cuca, na Praça do São Cristóvão. Explicação semelhante foi dada em 2014, quando dois jovens foram mortos no mesmo anfiteatro. Embora a versão oficial seja correta, o nome mais corrente do espaço é “anfiteatro do Cuca Jangurussu”. Há, no imaginário popular, uma forte vinculação entre uma coisa e outra. O termo é usado até mesmo em releases da Prefeitura.


Dizer que o crime não ocorreu em um equipamento público, contudo, não exime o Estado de sua responsabilidade. Estive no Cuca Roots em duas oportunidades e vi o quanto ele reunia e abrigava uma juventude desassistida de um acesso mais facilitado à cultura. No anfiteatro, sempre lotado, os jovens podiam se manifestar livremente em um espaço sem amarras e sem imposições de normas. As regras de convivência eram pactuadas e compartilhadas por meio das redes sociais. Com o fim do evento, fica a lacuna de uma zona autônoma temporária (TAZ) criada e voltada aos jovens da periferia.


Há, evidentemente, uma má vontade e um estigma em relação ao reggae, estilo musical quase sempre vinculado ao consumo de maconha, como se isso fosse o único elemento que o caracterizasse. O que se vê comumente é o poder público ditando o que se pode e o que se deve fazer em termos de juventudes. São práticas pré-determinadas e que muitas vezes não contam sequer com a opinião de seu próprio público-alvo no momento de sua elaboração.


Fortalecer os movimentos juvenis, ouvir a crítica que eles trazem e proporcionar os meios para que mais iniciativas como os “Roots” brotem do seio das juventudes são tarefas urgentes para os formuladores e executores de políticas que propõem uma “cultura de paz” por meio do Estado e da Sociedade Civil e não uma “pacificação” pelas mãos de quem enriquece vendendo drogas. Para que isso realmente ocorra, contudo, é preciso que os atores juvenis tenham o apoio necessário para exercer seu protagonismo. Afinal, “paz sem voz não é paz, é medo” já diria O Rappa.


Dandara

O crime envolvendo Dandara só reforça a necessidade de se criar uma rede de proteção, de compartilhamento de informações e acompanhamento de casos de violência contra pessoas em situação de vulnerabilidade social. Temos muitas ferramentas à disposição e gente que entende do riscado para dar conta desse desafio. Uma proposta seria criar um banco de dados sobre vítimas, articular denúncias públicas e monitorar o andamento de processos. Quem se habilita a participar?

 

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