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Vamos melhorar o debate sobre segurança pública?

2017-02-06 01:30:00

De forma involuntária, André Costa, recém-empossado secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), abriu um interessante debate sobre a atuação policial. Ao afirmar que só haveria a alternativa de “justiça ou cemitério” para os criminosos que enfrentam a polícia, o delegado da PF explicitou um pensamento que circula de forma velada nos quartéis, nas delegacias e em segmentos inteiros da população: a de que os órgãos de segurança devem ser mais enérgicos na resposta dada à criminalidade. A resposta do Ministério Público e da OAB à declaração fez com que a discussão se tornasse pública e ampliasse seu alcance.

No entanto, para que possamos avançar nessa questão, é preciso desmontar algumas concepções que mais atrapalham que ajudam a resolver o problema da insegurança. Seguem três delas de uma lista bastante numerosa:


1 A ladainha contra os direitos humanos. Quem ouve as queixas feitas contra os direitos humanos deve imaginar que os presos são muito bem acolhidos e que suas famílias têm todas as necessidades asseguradas pelo Estado. O cotidiano das prisões mostra que isso está longe de ser verdade. A grande quantidade de assassinatos de adolescentes pobres de periferia, sem indicação de autoria, mostra cenário desolador para quem luta por direitos iguais a todos. Se “a turma” dos direitos humanos fosse tão eficiente quanto seus críticos dizem, essa situação estaria assim? O que ocorre é que muitas vezes o papel dos DHs é confundido com o da Controladoria-Geral de Disciplina (CGD). Certamente, ninguém gosta de ter seu trabalho investigado, mas o órgão desempenha função vital na tentativa de evitar que abusos sejam cometidos por agentes estatais, borrando a linha que separa a legalidade da ilegalidade e o lícito do ilícito.


O tema já foi abordado pela coluna, mas volto a tratar dele aqui: direitos humanos é coisa de polícia. Um número significativo de policiais assassinados estava trabalhando em suas folgas para complementar a renda da família.

Embora tenhamos avançando bastante, as condições de trabalho ainda não são satisfatórias. Muitos PMs também se queixam de arbitrariedades cometidas pelos comandos em nome de uma cultura militarista. Os direitos humanos têm muito a dizer sobre isso. Temos um conjunto de Diretrizes Nacionais de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança que passa longe de ser cumprido como deveria. Por meio de suas associações de classe, os policiais deveriam cobrar que os DHs fossem estendidos às suas categorias profissionais, tornando a atividade policial mais humanizada.


2 “Rua” versus “ar-condicionado”. Muitos dos que criticam a política de segurança pública são repreendidos por se manifestarem a partir do “ar-condicionado”. Por não estar “nas ruas”, os “especialistas” não conheceriam a “realidade”. Tal afirmação desconsidera o fato de que pesquisadores lidam justamente com quem trabalha “nas ruas”, interagindo e atuando como interlocutores em busca de compreender as situações de violência e de conflito a partir das percepções de tais atores sociais. A pesquisa acadêmica envolve imersão no objeto pesquisado e não uma teorização sem qualquer respaldo empírico. A crítica, quando é feita, deve-se ao mesmo remédio que é aplicado sucessivas vezes sem que se veja melhorias. Se não pudesse contar com a elaboração crítica de quem estuda sobre o assunto, a sociedade ficaria refém de apenas uma visão: a dos governantes.


3 O policial como vítima exclusiva. Há um discurso corrente entre os policiais que eles são injustiçados pelos governantes. Certamente há muito a ser feito no sentido de aprimorar a carreira policial. Mas, também é verdade que categorias inteiras de servidores públicos não recebem o tratamento devido. A de professores é uma delas. Historicamente, as manifestações dos educadores costumam ser respondidas com muita repressão e pouco diálogo. Milhares de alunos sem aula já não é mais uma situação capaz de mobilizar a sociedade e pressionar o governo. Por sua vez, a PM mostrou o quanto a paralisação de seu efetivo pode afetar uma cidade do porte de Fortaleza e influir nas decisões dos governantes. Tal manifestação de poder foi canalizada na formação de quadros políticos que atuam em defesa dos policiais. Só para ficar na mesma comparação, quem no Parlamento defende os professores com o mesmo afinco? Compreender policiais e educadores como trabalhadores radicalmente distintos só reforça os corporativismos, fragilizando as lutas trabalhistas.


Se o debate sobre segurança pública não abranger nossas profundas desigualdades sociais, o acesso a direitos básicos entre a população mais carente e a valorização de todos os profissionais que atuam na linha da frente do serviço público só nos restará mesmo duas escolhas a fazer: justiça ou cemitério.

Adriano Nogueira

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