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O filho adotivo
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

O filho adotivo


Dizem que nascer de um pai e de uma mãe é coisa muito boa, mas que ser adotado é algo muito melhor. O povo, com sua sabedoria de séculos, não dá uma fora: família a gente não escolhe, mas amigos sim.

Ser convidado a fazer parte de um determinado círculo, ter sua contribuição reconhecida de forma valorosa por uma comunidade, ganhar uma nova terra para chamar de sua são grandes prazeres e honras que podemos experimentar em vida. O filho adotivo é o rebento do coração, alguém que não foi gerado mediante o cruzamento dos genes familiares, mas que recebeu de um lar, de forma grata, a permissão para a ele se integrar. Esses e mais outros gentis pensamentos passeavam pela minha cabeça na noite da última terça-feira, quando recebi, na Câmara Municipal de Sobral, o título de cidadania daquela querida e calorosa cidade.


Foi o patrimônio, mais uma vez, que me deu esse mais que valioso presente. Praticamente, até ser diretor do Iphan no Estado, não conhecia a capital da Zona Norte. O que dela sabia me veio através da ótica moleque, irreverente e, por que não dizer, ressentida desta Loura Despeitada do Sol: lá, nos United States of Sobral, falava-se inglês nas ruas, seu povo era pedante e bairrista, havia desenvolvido um certo “olhar sobralense” para as coisas e as pessoas e valorizava seus sobrenomes heráldicos. Muita dor de cotovelo, isso sim: a Princesa nortista, através de suas ligações com o comércio internacional estabelecidas através da Estrada de Ferro de Sobral e do Porto de Camocim, no século XIX, viveu padrões econômicos e confortos urbanos que Fortaleza só veio conhecer um pouco depois, tais como a indústria, os bondes e o teatro.


Trabalhando por mais de dez anos no torrão de Domingos Olímpio e Dom José Tupinambá da Frota, descobri seus belos nomes d’antanho, Vila Distinta e Real de Sobral (1773) e Fidelíssima Cidade Januária (1841), conferidos pela coroa portuguesa às mudanças político-urbanas que o pequeno povoado da Fazenda Caiçara passou a experimentar desde a sua fundação às margens do Rio Acaraú. Descortinei seu belo conjunto construído antigo, talvez o detentor do maior caráter monumental do Ceará, e não medi esforços para preservá-lo. No quesito vivências, venho curtindo as delícias da sobralidade desde que com as mesmas topei: comer a costela de porco do Aragão, tomar cana com torresmo no Bar do Demerval, dar um rolê no Bulevar do Arco à tardinha, fartar-me dos fartes e das queijadinhas, tomar café e bater papo no Becco do Cotovelo...


Sobral é tão especial, caro(a) leitor(a), que a famosa Teoria da Relatividade de Einstein, centenária em 2019, foi comprovada em seu firmamento. A luz vinda de uma estrela, ao passar pelo Sol, segundo o físico alemão, sofreria desvio em razão da curvatura que este tremendo corpo celeste causa no espaço-tempo. Confirmada a sua tese na Praça do Patrocínio, poeticamente assim se referiu ao seu feito: “o problema concebido por meu cérebro incumbiu-se de resolvê-lo o luminoso céu do Brasil”. Quer dizer, o de Sobral, não foi, professor? Centro, Sinhá Sabóia, Junco, Dom Expedito, Alto do Cristo, Patriarca, Aracatiaçu, Olho d’Água do Pajé, meu coração se espalha por todos estes e outros lugares, agora meus, no ritmo do seu singelo hino: “No farfalhar dos carnaubais que te rodeiam, ouve-se a voz do Acaraú a murmurar...”

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