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Triste Fauna
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Triste Fauna

A Cláudio Ferreira Lima

Nesta selva odienta e corrupta que é hoje o Brasil, viceja uma triste fauna caracterizada pelas contradições entre a sua condição humana e os seus pensamentos e gestos. Seus nomes, quase todos, são bons exemplos de oximoros, esta complexa figura de linguagem, como informa o tratado de semântica, em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão. Nestes tempos difíceis, ostentam uma resiliência de bactéria hospitalar premiada, destruindo o que resta da nossa já parca paciência. Em vez de esconderem-se nas sombras devido ao reprovável comportamento, agem intensamente e deitam falação nos lugares reais e virtuais, pouco se importando com o que vão deles dizer. Vorazes consumidores de óleo de peroba, não estão nem aí.


O primeiro da fila é o pobre de direita, esta podre jabuticaba. Sem ter onde cair morto e com os bolsos mais vazios que o Castelão em dia de jogo do Floresta contra o Uniclinic, a tal figura se vê como um paxá, um magano super caixa alta, e, como tal, defende com unhas e dentes as ideias daqueles que enxerga como iguais, os milionários de verdade. Para além de Marx, é um caso para Freud, talvez Charcot. Dir-se-ia um pernilongo advogando a causa do Baygon. Na sequência, o vingador sanguinário de sacristia. Incorrigível e inveterado papa-hóstia, é visto em todos os eventos de sua doutrina religiosa, a qual transformou num conceito que só serve a si e aos seus desígnios. Quando fora do templo, quer cortar pescoços, desterrar pessoas, o diabo a quatro. Dele falou o Papa Francisco: “Mais vale ser um ateu que um cristão hipócrita”.

 

Atropelando pela direita e pela esquerda, o guarda-costas de bandido. Somam-se provas e mais provas às evidências e aos depoimentos e o cara está sempre lá, impávido, na eterna defesa do meliante que, mais que adora, idolatra. Tem sempre uma desculpa e uma acusação na ponta da língua bífida. Às notícias comprovadoras, prefere os fatos alternativos da pós-verdade para auto-consumo. Por fim, para ficar só nesse quarteto, os black-blocs. De origem incerta (uns dizem que são militantes do anarquismo, outros afirmam que são papangus de braço armado a soldo das forças do atraso), são especialistas em converter manifestações pacíficas em badernas generalizadas, mestres do vandalismo que são. Venerados por certos setores à gauche, após o vexame dos raids de 2013, ressurgem agora em meio aos estilhaços das vidraças.


E há mais, muitos mais, um verdadeiro desafio à antropologia contemporânea em seu afã de identificar, documentar e tentar compreender o bicho-homem e as suas circunstâncias. Sabe lá Deus o que resultará do cruzamento dessas castas, produtos mais que bem acabados da nossa paranoia cotidiana. Súbito, um ex-aluno me liga querendo saber a minha opinião sobre o último levante de Brasília. Disse-lhe que, como arquiteto, não tenho como aceitar a depredação do patrimônio público, ainda mais numa cidade considerada monumento cultural da humanidade pela Unesco. “Mas o que é uma esquadria, um edifício, professor? A gente destrói e refaz”, disse ele, candidamente. Eis, pois, um quinto tipo, o arauto da arquitetura da destruição. “Bem, isso você certamente não aprendeu comigo, não?”, respondi-lhe. Tchau, fim de papo.


Por Romeu Duarte
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