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Panelas Silentes
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Panelas Silentes

A Henilton Menezes

Ó vós que batestes tanta panela nas varandas gourmet do Meireles, que vestistes a camisa da CBF em sinal de protesto contra a corrupção, que saístes em passeata feito patos comandados por um pato (e que pato estais agora a pagar...), que aplaudistes a Janaína Paschoal como a musa da moralidade, que dançastes a zumba nazi nas avenidas, que enchestes a Praça Portugal com teu ódio verde-e-amarelo, que enxergastes virtude nesses vampiros que ora nos estão a sangrar, que defendestes o retrocesso com unhas e dentes, que propagastes a ira, o preconceito e a desigualdade, que reservastes para a mulher o recato do lar, as gôndolas dos supermercados e a vassoura das faxinas, que vistes a degola da presidente como a luz no fim do túnel (o trem vindo na direção contrária), onde estais que não vos vejo ou ouço?

 

É uma atrás da outra. Raro é o dia em que a imprensa não traz um monte de notícia ruim para entristecer ainda mais o cotidiano da vida brasileira. Logo após a instalação das novas (velhas) lideranças, a impiedosa maçaranduba veio de todo lado. Se se pensava que era só apear D. Dilma do poder que as coisas se resolveriam, a realidade mostrou que o buraco era infinitamente mais embaixo. Economia cadente, PIB despencando, país desacreditado no exterior, tumultos em profusão, o negócio começa a ficar monótono. “Qual o escândalo da hora?”, perguntamo-nos a cada momento. Os jornalistas que ajudaram a parir o golpe passam óleo de peroba em suas carantonhas de pau e seguem em frente, sem tugir nem mugir. O mais absurdo de tudo é a apatia dos que sofrem, mansamente deitados nas redes sociais. E as panelas, caladas...

 

Uma reforma da Previdência proposta por gente que se aposentou cedo (e bem) e que tem como meta fazer o povo trabalhar além da vida pós-morte para não receber aposentadoria. Uma terceirização que é, na verdade, o fim da CLT, tornando precário o trabalho e o trabalhador em prol dos inoxidáveis interesses do capital. Os vazamentos seletivos e as abjetas conduções coercitivas da Lava-Jato, agora posta na berlinda, à mercê de uma possível anistia perpetrada pelo Congresso com o apoio do “ínclito prócer” do STE. As “ajuizadas” operações da PF, tal como a última, cujos desdobramentos fizeram a União Europeia, a China e a Coreia recusar as importações da carne brazuca. O desmonte da indústria e das grandes empresas nacionais, pondo-se fim à vaca para matar o piolho. Bolsonaro rindo. E as panelas, caladas...

 

Quem sabe não seja este justamente o ambiente que as panelas desejaram ver instalado com seus baticuns? O silêncio, nesse caso, pode significar a expressão da aprovação. Ah, Sacher-Masoch, Marquês de Sade, vossos desígnios são faces da mesma cruel moeda. E assim seguimos o nosso calvário diário, as pedras dos caminhos tortuosos e tristes de Jáder de Carvalho ferindo nossos pobres pés.

 

Até a natureza parece ter mudado o seu sábio curso, imitando a doidice destes rudes tempos: o açude em Baturité, que secou com a mesma velocidade que encheu, o vulcão de araque de Maranguape (é mentira, Terta?), o raio medonho caindo sobre os monólitos de Quixadá e o redemoinho ensandecido de Moraújo não me deixam mentir. A lei é de murici, cada um que cuide de si. Longo suspiro. E as panelas, caladas...

 

Por Romeu Duarte

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