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O horror, o horror...
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

O horror, o horror...


À memória de D. Marisa Letícia

 

Liga-me uma amiga e colega para expressar sua aflição com os tempos que correm. Preocupa-a tremendamente criar seu rebento à sombra imensa do ódio insano que toma conta do Brasil. As agressões nas redes sociais, o preconceito destilado em gotas amargas (que não são as do Arthur de Carvalho), a zoada dos maus e o silêncio dos bons, entre outros dissabores, são as pedras que constroem o castelo do seu pesadelo diário. Desencantada, diz que ninguém é uma ilha: mesmo realizada na vida profissional, enoja-a a cotidiana defesa da violência, do rancor e da desigualdade por parte daqueles que veem nestas pérfidas vias a conformação de um outro Brasil, enquanto oram ou rezam em seus templos e igrejas. “Dei por visto, partiu Portugal!”, diz ela, já pensando em arribar de vez para as terras lusas.


Não foi a primeira nem será a última pessoa a me procurar para confessar esse tipo de sentimento, cada vez mais frequente. O macabro festival colérico que envolveu o passamento da ex-primeira dama, com laudo médico vazado e comemorado, hipócritas profissionais hipocráticos desejando a morte no lugar da vida, a visita do interino ao hospital, pedidos nefandos ao Capeta, para ficar em alguns sórdidos detalhes, marcou tristemente a semana que passou. Aliás, por falar no Capiroto, o coisa ruim deve estar bastante atarefado preparando um listão com os nomes de uma cacetada de gente que vai morar com ele já, já, nos quintos do inferno, por conta desse tipo de conduta. Bestas bestiais vangloriando-se da ira que babam na gravata e no tailleur. E eu que um dia pensei já termos superado tudo isso. Vã ilusão, ledo engano.


Fico a refletir sobre o estranho comportamento de alguns sujeitos e algumas sujeitas na virtualidade. Versões contemporâneas do Dr. Jekyll e do Mr. Hyde, célebres personagens do romance O médico e o monstro escrito em 1886 pelo escocês Robert Louis Stevenson, conduzem-se como lordes e damas nos contatos interpessoais e como ogros e ogras na internet. Assalta-me o pensamento de que este local, com seus nebulosos algoritmos, é onde hoje se é verdadeiramente, onde se existe de forma plena, sem máscaras ou biombos morais. O rapaz de fino trato e voz mansa brada a sua raiva mortífera em seus incendiários posts. A moça angelical e recatada mostra-se uma diaba iracunda nos seus venenosos e impiedosos comentários. Se a vida real já é um teatro, o que dirá agora, caro(a) leitor(a), a sua versão virtual...


Sou bruscamente afastado dessas minhas ruminâncias pela fala fanhosa e metálica do vendedor ambulante no ônibus: “Meu povo, eu já fui quentura total, arrombei, roubei e matei, poderia estar por aí tomando o que é dos outros, mas estou é aqui, trabalhando, vendendo esse produto para tirar meus irmãozinhos da droga. Bala de gengibre, três por um real, quem vai querer? Ou é melhor roubar do que pedir?”. Súbito, chega uma mensagem no celular: “o meu cachorro torce Leão.”; “Como é que você sabe?”; “Quando o Leão ganha do Kanal, ele faz a maior bagunça.”; “E quando o Leão empata com o Kanal?”; “Ele passa a noite toda latindo.”; “E quando o Leão perde para o Kanal?”; “Aí não sei, só tenho ele há dois anos...”. Gracinha, né? Esse cara vai ver o que é bom para tosse. Vou lá no coração das trevas e volto...

Foto do Romeu Duarte

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