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Fortaleza com limão
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Fortaleza com limão

Mesa de bar pode ser de um tudo: refúgio, capela, covil, academia, tribuna, entre muitos e diversos usos. Um dos mais nobres é quando se transforma em bancada de debates, principalmente quando travados com a devida elegância e serenidade. Noite dessas, num botequim de minha afeição, estava com um grupo de amigos, alguns deles meus colegas de ofício, a discutir os rumos desta Loura Destrambelhada do Sol. “Viu aí? As obras na Aguanambi já começaram”, disse um, dando uma golada na água que passarinho não bebe (de besta que é). “Será que vai ficar igual ao que foi feito na Bezerra de Menezes?”, perguntou outro, mordendo a ciriguela. “Fiz uma jura de nunca mais passar por ali. Aquilo lá parece o Check Point Charlie dos tempos da Guerra Fria em Berlim”, gozou o primeiro, estalando a língua.

 

“E a isenção de alvará de funcionamento para templos religiosos?”, provocou o que estava em pé, a bordo de um uisquinho. “O sujeito, crente que está abafando, constrói o prédio de qualquer jeito, sem projeto, todo irregular, sem fiscalização da Prefeitura e dos Bombeiros e ainda tem a cara de pau de dizer que sofre perseguição e preconceito religioso. Pode um negócio desses?!”, falou o mais velho, já exaltado. “Calma no Brasil”, socorreu-lhe o chapa, “Faça como eu, tome uma branquinha para sossegar os nervos”. “Imagine uma arapuca dessas lotada de fiéis e, de repente, começa um incêndio. Quem sabe não seja um método garantido e infalível de sentar ligeirinho no colo de Deus?”, curtiu o careca da cervejinha. Risada geral. “Pior do que isso só a lei seca do Mercado São Sebastião”, lembrou o da cicatriz, de

bico molhado.

 

“O Centro, lascado como está, não pode perder uma atividade econômica importante como aquela (...) Arquiteto não extingue negócio, disciplina-o”

 

“Mas o assunto da semana é a retirada da feira da José Avelino, turma boa”, curtiu o coroa do Campari, jogando gasolina na fogueira. “Sou contra a saída dela e a favor do seu disciplinamento e formalização, instalada em espaços novos, projetados para este fim”, afirmou o de cavanhaque, de Claudionor. “Assim, a feira, como acontece em outros lugares do mundo, poderá se tornar um atrativo turístico-cultural e funcionar como uma ligação entre o Centro e a Praia de Iracema, dando ainda suporte às atividades culturais existentes e as que se pretende criar no local”, propôs, chupando o cajá-umbu. Silêncio. Todos aguardando o arremate. “Já se perguntaram por que a feira funciona lá? Porque comércio atrai comércio, meus caros. Mandar para Jacarecanga não me parece uma boa ideia”, mandou ver, lavando a goela com cana.

 

“Concordo”, brindou o camarada ao lado, “O Centro, lascado como está, não pode perder uma atividade econômica importante como aquela. Quanto rola de dinheiro ali? Ninguém sabe, é tudo no mocó. Arquiteto não extingue negócio, disciplina-o”, fechou, com chave de ouro, o rei da ênclise. “Se a feira for para Jacarecanga, é capaz da movimentação dela acabar com o resto do patrimônio que ainda tem lá”, prognosticou o mais velho, já mais calmo, entre brumas e brahmas. “Do jeito que está, no meio da rua, é que não pode ficar, isso é certo”, considerou o magrelo sentado no balcão. “Pois eu acho o seguinte”, intrometeu-se um cult-bacaninha, “Aquela feira é um lixo, uma vergonha para a cidade. Para mim, era para ser proibida e brá!”. “O que é isso branco no copo desse cara?”, quis saber o de cavanhaque. “Leite”, riu-se o careca.


Por Romeu Duarte
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