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Carro de aluguel
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Carro de aluguel


Pedestre convicto, quando estou sem pressa, tomo o ônibus; quando aperreado, uso táxi. Minha convivência com este meio de transporte é antiga. A mais remota lembrança que dele tenho foi o dia em que quase transformei a viatura de um taxista numa gaiola, ao deixar cair, desajeitado, uma carga de alpiste, painço e mistura para graúna no chão do carro. Por pouco não levei umas mãozadas do furioso motorista e, depois, de minha irritada mãe. O serviço melhorou consideravelmente. Frota nova, ar condicionado, direção defensiva, GPS, tudo nos trinques, muito diferente daquele tempo em que viajávamos em fuscas amarelos caindo aos pedaços, o banco do passageiro da frente arrancado, o cheiro de gasolina no mundo, o chofer fedendo a cassaco e reclamando da vida, do trânsito, da mulher chata.


Mas a polêmica da hora é táxi convencional x Uber. Passeatas, pressões sobre prefeitos e vereadores, enfrentamentos, mãos de peia, processos na Justiça, multas dão o tom da cena. Os dois bandos se acusam mutuamente, enquanto as prefeituras não tomam uma decisão de forma definitiva. A turma do táxi tradicional denuncia os uberistas como invasores do seu nicho laboral, atuando sem pagar qualquer imposto ou taxa, daí podendo praticar preços de corrida mais baixos. Por sua vez, os novos atores defendem o livre mercado, dizendo que o sol nasceu para todos. Dia desses, vi um bacana na televisão tecendo loas a este serviço, invocando a modernidade. Era o mesmo sujeito que, lá atrás, vociferava contra as topics do transporte alternativo, as quais segundo ele, atrapalhavam os bons negócios da sua empresa de ônibus...


Parece que usar dois pesos e duas medidas virou mania nacional. O sistema de táxi convencional está sujeito a uma pesada tributação e a uma série de rigores de fiscalização. Há quem reclame dos descontos na compra dos carros, mas, do contrário, como poderiam os taxistas adquiri-los? Por outro lado, há “tubarões” na organização que têm, sozinhos, dezenas de vagas, impondo escorchantes pedágios diários às “piabas” e contando com o silêncio do sindicato. Por sua vez, o Uber opera sem cumprir qualquer obrigação tributária, com seus motoristas de outros estados dirigindo veículos descaracterizados e utilizando suas bússolas eletrônicas para tentar se orientar nesta Loura Engarrafada do Sol. Um tanto assimétrico, não? Ou devemos mais uma vez nos curvar à máxima de que “no capitalismo é assim mesmo”?


Redijo mentalmente estas mal-traçadas enquanto me desloco do Centro ao Cambeba para uma reunião. Vou de Uber, claro, senão teria que deixar boa parte do meu salário com o chofer. Sei do aplicativo do Sinditáxi que dá um bom abatimento, mas a teimosia (liseira, mesmo) em continuar usando celular peba não me permite esse tipo de luxo tecnológico. O motorista, paulistano, já pronunciou termos tais como “Curíntia”, “ôrra, meu”, “é nóis, mano” e persiste em dizer “Ribeirão Pajeú”, “Avenida Eguanambri” e “Uniflor”. Sua máquina direcional de fazer doido já nos fez entrar em túnel errado e fazer duas conversões marotas. Deu um banho com as águas empoçadas de fevereiro em uma bela colegial que caminhava na calçada. Como terminará esta odisseia? No outdoor, cintila a joia sobre quatro rodas. Nem te ligo, nem te ligo...

Foto do Romeu Duarte

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