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Canta tua Aldeia
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Canta tua Aldeia


Há assuntos do cotidiano que ficam pulando à nossa frente, doidos para serem escolhidos como tema para a nossa labuta de escriba do dia-a-dia. Tal como a verdadeira baiana de Caymmi, que quebra direitinho de cima embaixo e revira os olhinhos, alguns tópicos tentam a todo custo nos seduzir para virar mal-traçadas linhas. Neste momento, no tablado da minha mente, dançam Donald “The Wall” Trump e suas porralouquices, Eike “Orgulho do Brasil” Batista e a sua nova carreira de foragido da Interpol e o “acidente” (mais um, não é, Sr. Interino?) que tirou a vida do ministro Teori Zavascki, entre muitos outros. Amante das coisas pequenas e simples, que é onde Deus mora, dou uma bela banana a essas matérias metidas a ser o que o relógio não marca para tratar da real thing, do babado bom, daquilo que conta de vera.


Das últimas novidades, é, para mim, a volta do Ferroviário, o Tubarão da Barra, à 1ª Divisão do futebol alencarino a mais importante. O Ferrim, como carinhosamente toda a gente o chama, é o segundo time de todo mundo, esbanjando simpatia e disposição neste seu tão aguardado retorno. Fundado em 1933 por operários da estrada de ferro, foi o precursor do profissionalismo no nosso pebol. Se o clube é charmoso, o mesmo talvez não possa ser dito dos seus torcedores. Para começar, chamam sua paixão de Ferrão. Explosivos e barulhentos, nutrem desprezo mortal pelo Ceará e o Fortaleza (por este até dá para entender...), principalmente quando voltam derrotados à Kombi que os levará para casa. “Pode frescar, mas por lá passaram Coca-Cola, Pacoti e Mirandinha”, diria lá de cima o velho Caracas, o grande líder coral.


E as matérias, de modo peculiar as que dão mais o que falar, continuam se insinuando, feito vedetes (é o novo!), para chamar a minha atenção. Não adianta, pois hoje estou mais para tapioca com café do que para crème brûlée. A fábrica de novos termos não para: depois da “pós-verdade”, palavra escolhida pela Oxford Dictionaries como a cara de 2016, surge agora o “fato alternativo”, versão de um ocorrido criada para agradar alguém. Dando língua a esse palavrório tolo, concentro meu interesse no vocábulo “crush”, verdadeira febre entre o público cult-bacaninha desta Loura. Falando do refrigerante de laranja que muito sucesso fez nos anos de 1960, perguntei à minha filha caçula se o mesmo ainda era o tal no meio juvenil. Como a sapeca Maria do Seu Mané do Luiz Assunção, ela deu uma gargalhada e saiu rindo de mim...


“Papai, o senhor é muito antigo, é mesmo do tempo das cavernas”, mangou a pequena. “Crush, pai”, disse ela, “é alguém por quem a gente tem uma queda, um carinho especial, geralmente não correspondido”. Mencionei os irmãos Gershwin e a sua genial I’ve got a crush on you. “Isso foi antes ou depois do Grito do Ipiranga, pai?”, riu-se ainda mais ela e, quase sem fôlego de tanto KKK, avisou que estava saindo para curtir a tarde de sábado na Praia dos Crush com as amigas, sob o vigilante olhar da mãe. Desolado com a minha ignorância e ancianidade, restou-me apenas desejar-lhe um bom passeio. Enquanto os cães passam, a caravana ladra. Lá fora, na parede morta de sede, o estêncil brada que “vai dá certo”. “Ah, que falta faz uma vírgula para certas pessoas”, pensei eu, num lamento certamente velho e provinciano.

 

Foto do Romeu Duarte

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