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O gasto e a receita do governo

2017-08-18 01:30:00
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A equipe econômica de Michel Temer (PMDB) justifica não ter conseguido alcançar a meta de déficit fiscal por causa da frustração de receitas. Diz que reduziu despesas, sim, mas dinheiro que estava previsto para entrar não se concretizou. Por isso o rombo cresceu - coisa de R$ 20 bilhões a mais. Isso é verdade? Sim, mas até certo ponto.

 

Parte das receitas incertas são arrecadação com leilão que se pretende fazer de quatro usinas hidroelétricas. Ou seja, não é arrecadação corrente. É a venda de patrimônio do Estado para pagar despesas, inclusive, da rotina da máquina pública. Esse tipo de dinheiro deve servir para investimento. Reduzir a estrutura pública em área estratégica — geração de energia — para pagar as contas corriqueiras é equivalente a vender a geladeira para comprar comida. É receita que se tem uma vez e nunca mais. Não é sustentável. Isso para ficar na analogia da economia do País com o orçamento doméstico, tão a gosto dos economistas.


Mas, fui observar os números. Quando o governo diz que cortou despesas, mas o rombo aumentou porque as receitas caíram, fica parecendo que o País arrecadou menos que no ano passado não é? Gastou menos, mas também entrou menos dinheiro. Isso, todavia, não ocorreu. No primeiro semestre de 2016, o governo teve R$ 1,305 trilhão em receitas. No primeiro semestre deste ano, obteve R$ 1,331 trilhão, segundo o mais recente relatório resumido da execução orçamentária. Mesmo descontada a inflação, entrou mais dinheiro este ano que em 2016.


Mesmo assim, o déficit de R$ 154 bilhões do ano passado tem previsão de subir para R$ 159 bilhões este ano. Se entrou mais dinheiro e o déficit cresceu, a razão é uma só: as despesas subiram. Não houve ajuste fiscal, como escrevi aqui ontem (leia neste link: http://bit.ly/ajustetemer). O que a equipe econômica esperava era que o crescimento das receitas compensasse a elevação das despesas. Como isso não ocorreu, tem-se o rombo.


ONDE SE CORTOU E ONDE SE GASTOU MAIS

Quer dizer que não houve corte de gastos? Claro que houve. Farmácias populares são fechadas, centenas de milhares de benefícios do Bolsa Família foram suspensos, verbas para universidades são reduzidas, pesquisa científica perde recursos. O problema é que se aumentou o gasto com outras tantas coisas. Problema é de prioridade. O que se resolveu cortar e o que se optou por preservar.

 

A NEFASTA LIÇÃO QUE VEM DA ÍNDIA

Gente importante da área de saúde no Brasil, inclusive no Ceará, aponta a Índia como referência de modelo de saúde. O governo investe pouco e deixa espaço para a iniciativa privada. A proposta liberal caiu no gosto de muita gente por aqui. Seria bom saber o que indianos pensam a respeito.

A expectativa de vida por lá é de seis anos e meio a menos que no Brasil. A mortalidade infantil é mais de 100% superior. O modelo privado construído por lá teve coisas boas, sim. A rede de saúde particular dispõe de excelentes serviços a preços relativamente baixos. Muito menores que no Brasil.

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Ocorre que mesmo esse preço baixo é impeditivo para centenas de milhões, numa população seis vezes maior que a brasileira. Símbolo desse sistema que alguns consideram modelo foi visto na semana passada: a tragédia da morte de 85 crianças e bebês em um hospital. As causas ainda são motivo de polêmica, mas haveria falta até de cilindros de oxigênio (foto). Motivos não faltam num estabelecimento no qual há superlotação de pacientes e condições de higiene precárias. A agência de notícias France-Presse relata cheiro de urina e até quatro recém-nascidos na mesma cama, por falta de espaço.


O episódio é emblemático de problemas muito mais profundos da rede de saúde. Segundo dados do Banco Mundial, o País destina 1,5% do PIB à saúde. A média mundial é de 6%. O distrito em que está localizado o referido hospital tem cinco pediatras, numa população de 4,5 milhões de pessoas.


Não é que a saúde da Índia seja ruim. Pode ser excelente para quem pode pagar. O País tem economia em expansão, das mais vigorosas entre os emergentes. Atrai recursos estrangeiros, seduzidos em grande parte pelas precárias condições trabalhistas às quais a população pode ser submetida. Mesmo com todo crescimento, os subempregos passam longe de tirar centenas de milhões da situação de miséria. A esses resta um sistema público de qualidade nefasta. É exemplo, sim, de como não fazer. De como construir modelo ainda mais injusto que o nosso.

Érico Firmo

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