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VERSÃO IMPRESSA

O quase fim patético de um enredo tragicômico

2017-05-18 01:30:00

 

A notícia estampada na noite de ontem no site do jornal O Globo e que abriu o Jornal Nacional não tem qualquer paralelo com o que já se viu na história brasileira. Nunca houve presidente da República, durante o mandato, direta e pessoalmente alvo de denúncias tão graves quanto as que foram veiculadas enquanto era escrita a versão anterior desta coluna, imediatamente abandonada diante das novidades. Pelas informações veiculadas, haveria provas irrefutáveis. O presidente Michel Temer (PMDB) teria sido gravado incentivando a manutenção de suborno ao ex-presidente da Câmara, cassado e preso, para mantê-lo em silêncio. O mensalão era muito mais inocente. A Lava Jato inteira não reuniu contra os principais políticos envolvidos provas tão contundentes quanto as anunciadas ontem. Se confirmadas, Temer talvez até se segure no cargo. Mas, de governar ele não terá mais nenhuma condição.


Há várias tipificações possíveis para a conduta de Temer. Entre elas, obstrução da Justiça. Nos Estados Unidos, Richard Nixon caiu por isso e Donald Trump está ameaçado pelo mesmo motivo. Por aqui, essa foi a razão para Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ter sido afastado pela Justiça da presidência da Câmara e, posteriormente, preso - onde teria recebido os pagamentos avalizados por Temer. Também é uma das razões pelas quais Luiz Inácio Lula da Silva (PT) virou réu e Dilma Rousseff (PT) foi acusada pela Polícia Federal.


O que ocorreu ontem é um acontecimento de grandes proporções e que ficará na história, de um modo ou de outro. Há de se ter todas as cautelas, afinal as provas anunciadas ainda não vieram a público. O jornalista Lauro Jardim teve sua reputação recentemente abalada com duas enormes barrigadas - notícia errada no jargão jornalístico. Uma delas dizia que o filho de Lula havia sido citado em delação premiada pelo lobista Fernando Baiano. A outra falava de viagem de Cunha a Cuba. Dessa vez, a notícia não revela as fontes, o que sempre sugere redobrar a cautela. Entretanto, há sinais de consistência muito maior na notícia.


A riqueza de detalhes, a profundidade das informações. Inclusive, a nota que Temer demorou a divulgar confirma o encontro, embora negue o teor da conversa com o dono da JBS na qual teria sido gravado em declaração comprometedora. Então, há elementos de que a história tem consistência. A essa altura, ou a notícia se comprova, e aí Temer não tem a mínima condição de permanecer no cargo, ou então O Globo protagonizou a maior barrigada da história do hemisfério.


Caso esse se confirme o fim do breve governo Temer, o peemedebista entrará para a história como candidato a protagonista do mais patéticos enredos que a política brasileira já viu: era o vice-presidente, autor de uma carta queixosa. Conspirou pelo impeachment de sua duas vezes companheira de chapa presidencial. Ascendeu ao poder com a queda do governo do qual tinha sido articulador político até seis meses antes. Tentou tocar agenda de reformas contrárias à plataforma que havia eleito a chapa. E, pelo que se encaminha, cairá no ano seguinte, em meio a trama sórdida em pleno mandato. Além de todos os crimes atribuídos, terá ficado patente que é um enorme trapalhão.


SILÊNCIO SINTOMÁTICO

A despeito de cautelas que se há de ter, há indícios emblemáticos. A demora na manifestação dos principais acusados. Quando falaram, o tom usado também é sintomático. Qualquer um acusado injustamente de crimes tão graves haveria de reagir com indignação mais furiosa. Mas o Palácio do Planalto demorou duas horas para se pronunciar de forma absolutamente acanhada, sem qualquer contundência, sem sinal de que houve injustiça. Aécio Neves (PSDB) demorou mais de três horas para vir a público. Quando o fez, soltou talvez a nota mais insossa já vista em episódio tão dramático. A denúncia contra o tucano que chegou mais perto da Presidência desde Fernando Henrique (PSDB) é espantosa, chocante. Além do pedido de propina milionária, ele faz alerta sobre a pessoa que pegaria o dinheiro: “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação”. Não é coisa que possa merecer resposta blasé. “O senador Aécio Neves está absolutamente tranquilo quanto à correção de todos os seus atos”.

Sabe o que ficou parecendo? Temer e Aécio, conforme a notícia, foram gravados. Eles, obviamente, sabem se disseram ou não o que está sendo atribuído a eles. Mas não sabem o que foi flagrado além das notícias. Ou foram muito mal orientados na formulação de suas nada convincentes defesas, ou talvez temam uma negativa mais contundentes, que possa ser desmentida amanhã pelas gravações.

 

Érico Firmo

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