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Momento incoveniente

2017-05-30 01:30:00
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Inoportuno, no mínimo, o momento escolhido pelo presidente Michel Temer (PMDB) para mexer na Justiça. Dá um sinal perigoso, o de que colocou na função alguém que tem trânsito e ascendência no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com vistas ao julgamento que pode tirar o presidente do cargo na semana que vem.


Não sei se é esse o motivo real. Não é necessário cargo para se fazer tráfico de influência. Torquato Jardim já tinha seu Ministério e podia operar até mais discretamente a partir dele.


O mais complicado na movimentação de Temer é a mudança, em momento tão grave, no ministro ao qual a Polícia Federal é subordinada. O presidente é alvo da Lava Jato e se tornou objeto de inquérito autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Uma das principais suspeitas é justamente de obstruir as investigações.


A mudança nesse momento coloca várias pulgas atrás da orelha. Não à toa, associação de delegados federais expôs preocupação. “É natural que qualquer mudança no comando do Ministério da Justiça gere preocupação e incerteza sobre a possibilidade de interferências no trabalho realizado pela Polícia Federal”, disse em nota o presidente da entidade, Carlos Eduardo Sobral. Ainda mais em momento como esse.


SANGRIA DESATADA

O Brasil já atravessou crises graves, gravíssimas. Até hoje, em quase todos os episódios, houve soluções boas ou ruins, mas que pelo menos foram capazes de estancar a sangria e reduzir a temperatura da crise. Dessa vez, o impeachment de Dilma Rousseff (PT) não representou solução para a crise. Um ano depois, está pior.

Só encontro paralelo na morte de Getúlio Vargas. Pouco mais de um ano depois, houve movimento para tentar impedir a posse do eleito Juscelino Kubitscheck. O marechal Henrique Lott interveio no que ficou conhecido como golpe da legalidade. Sob pressão das Forças Armadas, houve dois impeachments em menos de duas semanas: do presidente Café Filho e do presidente da Câmara Carlos Luz. Tudo para garantir a posse do eleito JK. É o único caso que conheço de crises tão grandes e profundas em anos sucessivos. Faz mais de 60 anos.


Isso se repete porque o impeachment de 2016 nunca foi a solução que se prometia e se pretendia. Dilma foi derrubada sob o pretexto de crimes orçamentários sobre os quais talvez um em cada dez manifestantes tenha entendido do que se trata. O combustível de sua saída foi a promoção de mudanças políticas. Substituição do grupo dirigente e a tomada de medidas econômicas. Não houve preocupação em atacar as raízes da crise que já estava posta na época. A economia era problema grave, mas não era o maior e mais estrutural.


Ninguém se admira da revelação de que Michel Temer (PMDB) ou Aécio Neves (PSDB) estariam envolvidos em corrupção. Surpreende que tenham sido flagrados, não que tenham eventualmente realizado os atos atribuídos. A falta de surpresa não é de agora. Observe o que escrevi em 13 de maio do ano passado, um dia após a posse do atual governo:

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“O governo de Michel Temer (PMDB) tem a cara do que há de mais tradicional na política brasileira. Quem esperava ministério técnico e qualificado viu uma equipe de investigados na Lava Jato, gente já rodada em vários governos, filhos de políticos da velha guarda e caciques de partido”.


E mais: “Sete dos ‘novos’ ministros integraram as equipes de Dilma ou de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Há ainda quatro ex-ministros de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). (...) Com desafio tremendo, o governo Temer não traz novidade. Aposta nas receitas de sempre. Espera resultado diferente. Oremos”.


Escrevi também: “O mais impressionante na equipe de Temer é a presença de tantos investigados. Ao menos sete estão na Lava Jato. No atual contexto, o mínimo que se poderia exigir era ministros que não sejam investigados. Beira a provocação”. Para ler a íntegra acesse este link: http://bit.ly/governovelho


O enredo estava posto. A relação desse grupo com as denúncias que atingiam o PT era óbvia desde sempre. O impeachment deixou plantada a semente para o atual escândalo estourar.

Érico Firmo

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