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José Avelino é símbolo de uma crise urbana

2017-05-17 01:30:00
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A José Avelino é o exemplo máximo e mais emblemático de uma crise que se espalha por vários outros espaços urbanos de Fortaleza. Há mais de três décadas, as sucessivas administrações municipais foram incapazes de dar solução definitiva ao comércio ambulante. O conflito que ontem completou três dias quase ininterruptos é talvez o mais duradouro de forma contínua. Porém, os estampidos de bombas ditas de letalidade reduzida e as pedras arremessadas são cena que se repete periodicamente. Na própria José Avelino e nas imediações da catedral, foram diversas as tentativas violentas de reprimir a feira, desde a gestão Luizianne Lins (PT) até Roberto Cláudio (PDT). Antes, houve conflitos na praça José de Alencar, na Praça da Lagoinha (Capistrano de Abreu)...


São problemas não resolvidos que vão sendo transferidos, empurrados, acomodados. A feira da José Avelino foi tentativa de regrar e controlar a Feira da Sé. Não deu certo e ela voltou a se expandir descontroladamente.


É exemplo paradigmático de como alguns segmentos se apropriam de forma predatória e privatizam espaços públicos. A forma muda, os atores também, mas as ocorrências se espalham pela pobre Capital, da qual sua população é privada de desfrutar pela ação de alguns. Feiras livres são formas saudáveis de comércio popular de rua. Existem no mundo todo. Mas, precisam ter regras. Nesse sentido, é provável que a feira da José Avelino seja uma das maiores do mundo. Toma várias ruas, começa na noite anterior, atravessa a madrugada e dura até o avançado do dia. O que pode ser presença esporádica, com tempo delimitado em lugar determinado se converte em agressão ao espaço coletivo.


É preciso solução estrutural. E que seja boa para todos. Não adianta achar que vai colocar feirantes insatisfeitos para fora pela força e eles nunca mais voltarão. Isso foi feito muitas vezes e eles sempre voltam. É ilusão dos que vendem soluções fáceis. Não é possível manter a vigilância para sempre. Se saírem insatisfeitos, um dia eles voltarão. Não dá para a solução ser da forma como ocorre hoje. O local não é adequado, a forma não é aceitável. Porém, saída precisa ser construída.


POR QUEM PASSOU O PROBLEMA

Nos últimos 30 anos, Fortaleza teve seis prefeitos. Espantosamente, nesse período apenas três partidos comandaram a Prefeitura: PT (Maria Luiza e Luizianne), PMDB (Ciro Gomes, Juraci Magalhães e Antonio Cambraia) e PDT (Roberto Cláudio). Houve também o PSDB, por um punhado de meses, no fim do período de Ciro, quando ele deixou o PMDB e se filiou à sigla tucana pouco antes de renunciar para se candidatar a governador.

Mas, em regra, Fortaleza tem sido marcada por hegemonias longas e ciclos duradouros. O PDT está na metade do quinto ano e é o que ficou menos tempo. Não faltou oportunidade nem tempo para negociação, construção de projeto e adoção de políticas de longo prazo para os vários focos problemáticos de comércio ambulante. Foram até hoje, todos, incapazes.


Curiosamente, quem mais se aproximou de solução foi quem passou menos tempo. Nos três anos de gestão Maria Luiza, quando a praça José de Alencar era a maior balbúrdia urbana do Ceará, houve intervenção que culminou com a criação do Beco da Poeira. Foi uma boa solução? Não. O local era insalubre, degradado. Mas, foi o que de mais profundo se conseguiu fazer até agora.


Roberto Cláudio, curiosamente, tenta algo mais ou menos parecido. Como ocorre agora, Maria Luiza articulou a saída dos feirantes - em processo mais negociado do que agora - e logo iniciou obras na praça José de Alencar, para que o local não fosse retomado. Verdade que, quando a praça foi entregue, não demorou muito para o local voltar a ser tomado pelo comércio. Houve nova reforma na época de Juraci, quando novamente os ambulantes saíram. Depois, voltaram. Esses episódios deixam lições.


Não basta tirar os feirantes e iniciar obras achando que a solução é definitiva. A interrogação é como garantir que a feira não recomece após a intervenção. Afinal, a não ser que seja algo como um novo Metrofor, a obra vai terminar em um dia não muito distante. O que será feito depois é algo que a Prefeitura não explicou e talvez não saiba.

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O PALCO DO CONFLITO

O conflito instaurado desde domingo ocorre no mais relevante sítio histórico de Fortaleza, em frente ao quartel que fica no lugar do forte que dá origem à Cidade, ao lado da catedral construída sobre a velha igreja da Sé. Depois das pioneiras frustradas tentativas de ocupação na Barra do Ceará, foi ali que Fortaleza se consolidou como vila e a partir dali cresceu e tornou-se Cidade. Naquele mesmo pedaço onde hoje se erguem barricadas e explodem bombas de gás.

 

Érico Firmo

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