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Conclusões e inconclusões

2017-05-20 01:30:00

 

Havia me comprometido a projetar hoje cenários para 2018, a depender das novidades da sexta-feira. Pelos últimos acontecimentos, não se sabe nem se 2017 termina. Conduziu-se a situação na qual o País se tornou ingovernável. Não é possível solução com os atuais atores, nem com os antigos. As novidades no horizonte, na melhor hipótese, não são animadoras. Na pior, possibilidades assustadoras. Caminhamos sobre destroços.As revelações de anteontem e ontem são estarrecedoras. Chegam ao Ceará de forma semelhante à que atinge Brasília. Lá como cá, as principais referências do governismo e da oposição são atingidas. É grave. Segue panorama de um pouquinho do que veio a público:


A PREVARICAÇÃO GERAL DA REPÚBLICA

Os bastidores apontam que Michel Temer (PMDB) ficou aliviado com o teor do que foi gravado. Fiquei a me perguntar o que ele temia que tivesse sido flagrado. Porque o revelado é chocante. A primeira coisa que os áudios revelam é que o aval para comprar o silêncio de Eduardo Cunha não foi o mais grave. Tem coisa pior.

Joesley Batista relata enorme gama de crimes. O presidente da República escutou sem que nada tenha feito para investigar e punir. Mais que isso: estimulou. Joesley relatou a ele estar “segurando dois juízes”, ao que Temer responde: “Ótimo, ótimo”. Isso apenas seria suficiente para inviabilizar o peemedebista a ficar no cargo um dia a mais. O empresário prosseguiu e narrou que recebe informações de um procurador de dentro da Lava Jato e que articula para trocar outro que está em seu encalço.


O crime chama-se prevaricação: Temer tomou conhecimento de um crime e nenhuma providência tomou. Artigo 319 do Código Penal. Ainda achou ótimo.


A QUEM SERVE O GOVERNO

As conversas revelam ainda pressões políticas para colocar e tirar nomeados de postos estratégicos. Joesley conta para o presidente da pressão sobre Henrique Meirelles, gestor do grupo JBS até dia desses, para mexer na Receita Federal. Receita Federal! Comenta necessidade de mudança no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o que, aliás, ocorreu.

Sobre a Comissão de Valores Mobiliários, Joesley comenta: “(...) Agora está o presidente da CVM para trocar, é outro lugar fundamental. Eu queria assim”. Temer estimula: “Você devia falar com ele (Meirelles)”. O empresário retruca: “Se eu falar com ele, e ele empurrar pra você, eu vou poder dizer: ‘Não não, não’.” O presidente responde: “Não, pode fazer”. Joesley conclui: “É só isso que eu queria, ter esse alinhamento. Pra gente não ficar e pra ele (Meirelles) perceber que nós temos”.


É o relato de um governo a serviço de interesses privados.


A situação piora quando se considera a gravação com o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Joesley foi encaminhado a ele por Temer, por se tratar de alguém de sua “mais estrita confiança”, com quem o empresário podia tratar “tudo”. Com Rodrigo, Joesley comenta a necessidade de alguém que resolva seus problemas no Cade, CVM, Receita, Banco Central e Procuradoria da Fazenda Nacional. O designado por Temer oferece a possibilidade de indicações.


PARA ALÉM DA GRAVAÇÃO

Sobre Cunha e a aparente obstrução da Justiça, o que está ali também é bastante grave. O primeiro ponto a considerar é a linguagem cifrada, sinal da sintonia entre eles.

Joesley não fala explicitamente que pagou Cunha. Diz que vinha sendo cobrado e zerou “tudo o que tinha de alguma pendência daqui pra ali zerou, tal, doutor. Já liquidou tudo e ele foi firme em cima, ele já estava lá e veio, cobrou, tal, tal e tal”. A seguir, conta que a relação com Cunha está boa, ao que Temer comenta: “Tem que manter isso aí”.


A pendência não parecia ser as bruacas que Joesley deixou de levar ao visitar Cunha e por isso o ex-deputado estaria chateado. Há dívida e a cobrança, que preocupa o presidente da República.


Há ainda o contexto. Uma reunião não registrada com empresário investigado, na calada da noite, entrando pela garagem, com conversa travada em linguagem cifrada.


Além de tudo isso, há a delação de Joesley. Escrevi seguidas vezes que provas testemunhais têm fragilidades. Não necessariamente comprovam nada. O que não significa que não tenham valor algum. Juntas, as gravações, os testemunhos e as provas adicionais apresentadas pelos delatores da JBS constituem talvez o mais consistente acervo probatório da Lava Jato. E complicam demais Temer.

 

Érico Firmo

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