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Movimento estratégico

2017-03-23 01:30:00

Pode-se dizer tudo de Michel Temer (PMDB), mas não que ele não saiba jogar politicamente. A transferência aos estados e municípios da responsabilidade por conduzir a reforma da Previdência dos respectivos servidores é estratégia inteligente. Tão óbvia que é difícil imaginar não ter sido previamente pensada.


DESGASTE DIVIDIDO

Do ponto de vista estritamente político, não fazia sentido o Governo Federal assumir todo o desgaste, com governadores e prefeitos à cavaleiro, sem se meter no assunto. Agora é diferente. Esses gestores também têm interesse em reduzir despesas com aposentadorias. Porém, terão de colocar a mão na massa para isso. Políticos que evitavam tocar no assunto terão de assumir posição. A maioria não deverá ficar contra o Palácio do Planalto.

 

A POSTURA DOS GESTORES CEARENSES

Inclusive os governantes de oposição. O PT se opõe à reforma. Mas, a mesma postura será adotada pelo governador Camilo Santana? Haverá reforma local? De que maneira isso irá interferir na posição da bancada em Brasília?

O prefeito Roberto Cláudio (PDT), na mesma terça-feira em que Temer decidiu liberar estados e municípios para decidir o assunto, havia presenciado protesto de servidores no aeroporto Pinto Martins, quando embarcava para audiência com Michel Temer. Na ocasião, ele disse ser solidário aos trabalhadores e disse estar aberto a discutir Previdência, assunto “fora da pauta local”, segundo ele. Pois bem, agora o tema entra na pauta local. Como a Prefeitura irá conduzir o assunto?


O fato é que nem governantes aliados do Planalto gostaram do abacaxi que receberam. “É boa solução para o governo federal, mas empurra os problemas para os estados e municípios”, reclamou o prefeito paulistano João Dória (PSDB), que surge inclusive como opção tucana para presidente da República, mas tem de lidar com inesperada pauta desgastante.


OPOSIÇÃO PRESSIONADA

A estratégia de Temer tira parte da pressão de cima dele e lança aos governantes locais, inclusive os de oposição, como são os casos dos dois principais gestores cearenses. É inteligente artimanha em relação, principalmente, a PT e PDT.

ALÍVIO PARA O CONGRESSO

Outro efeito é reduzir a pressão sobre o Congresso Nacional. A articulação de numerosas e organizadas categorias é pulverizada pelas assembleias legislativas e câmaras municipais. Deixa de estar sobre Brasília. Presidência da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) chegou a estimar que, com isso, retira-se 70% da pressão sobre os congressistas. Não sei se chega a tanto, mas com certeza desfalca a oposição sindical ao projeto federal.

IMAGEM DE QUE CEDEU

Por todas essas vantagens, admira-me que a ideia de deixar que estados e municípios resolvam a questão dos seus servidores não estivesse previamente nos planos. Todavia, estivesse ou não, também seria inteligente politicamente apresentar como se não estivesse. Passou a imagem de que o governo não é intransigente e está disposto a ceder. De aventura ao diálogo. Inclusive, na condição de boa notícia, o próprio presidente se encarregou de fazer o anúncio.

No fim das contas, o resultado pode acabar sendo o mesmo. Nas assembleias e câmaras, o teor aprovado pode acabar sendo o mesmo. Mas, ficará a imagem de que houve abertura.


IMPACTO ECONÔMICO

Ruim para o governo é o aspecto econômico. A reforma era pensada como sinalização aos mercados e instrumento de recuperação da confiança. Sem estados e municípios, esse equilíbrio de contas perde muito de seu impacto. As reformas locais dificilmente sairão do jeito que o governo gostaria. E certamente não ocorrerão no mesmo prazo. O poder de pressão dos servidores é muito maior num pequeno município do Interior, sem estrutura e sem nem aparato de segurança para conter manifestantes. Além do mais, se tem prefeito que nem cobra IPTU para não se indispor com a população, imagine-se mexer nas aposentadorias, principal fonte de renda em muitas pequenas cidades.

 

Érico Firmo

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