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Escombros da velha política

2017-03-15 01:30:00

Caso se confirmem as informações vazadas sobre a lista de pedidos de inquérito apresentada ontem por Rodrigo Janot, a governabilidade do Brasil desmoronou. Até o fechamento dessa coluna, só um punhado de nomes era conhecido. O suficiente para uma hecatombe como talvez nunca se tenha visto antes. Com reflexos diretos sobre o Ceará.


Sim, pois o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB), é apontado como um dos integrantes da relação. É, também, o principal nome de oposição ao Governo do Ceará. Com o peemedebista sob risco de se tornar alvo de investigação, muda a correlação de forças local. E os impactos vão muito além.


Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, é outro mencionado como integrante da listagem do procurador-geral da República. Os presidentes das duas casas do Congresso Nacional. Os dois sucessores imediatos do presidente Michel Temer (PMDB).


Hoje, por todo o Brasil, ocorrem protestos contra a reforma da Previdência. Qual a força política deste Congresso, sob tal comando, conduzir mudanças a tal ponto impopulares nas aposentadorias? Nesse quadro, bem menos provável.


O atual Congresso se complica e o antigo também. Renan Calheiros (PMDB-AL), conforme se esperava, é outro dos nomes que vazaram. É o ex-presidente do Senado. Na Câmara, o antecessor de Maia é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já preso. Por tais personagens era e é tocada a formulação das leis. Não à toa deu no que deu.


Infelizmente, todavia, o problema não fica pelo Legislativo. A situação do Poder Executivo é tenebrosa.


São pelo menos cinco ministros citados. Dois deles pessoas muito próximas do presidente Temer: Eliseu Padilha (PMDB), chefe da Casa Civil, e Moreira Franco, secretário-geral da Presidência. Esse último foi promovido a ministro no mês passado. Com isso, ganhou direito de ser julgado no Supremo. Outros ministros que estariam relacionados seriam Bruno Araújo (PSDB), das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), da Ciência e Tecnologia e Comunicações, e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), das Relações Exteriores.


O antecessor de Aloysio no Itamaraty também estaria na lista. É José Serra (PSDB), eterno pré-candidato a presidente. Outro nome, sem surpresa alguma, seria o do presidente do PSDB, Aécio Neves. Serra e Aécio foram os dois últimos candidatos tucanos a presidente. O pedido de inquérito contra ambos, e outros tantos nomes do partido, desmoraliza o discurso contra a corrupção que o PSDB ainda tenta sustentar — convenhamos, há muito sem convencer.


O PT não se complica menos. Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff também estariam relacionados. Assim como os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci. Os quatro sem foro privilegiado. O desenrolar dos inquéritos podem inviabilizar aquele que tem liderado todas as pesquisas para a sucessão presidencial do ano que vem. Não resta nenhuma das grandes forças políticas que possa tripudiar ou se aproveitar. A lista só deixou vazar um punhado de nomes e é devastadora para o meio político de ponta a ponta.


Atinge os principais candidatos em potencial da oposição e do governo. E, pelo pouco que se sabe, não deixa Temer incólume. Porque além de Padilha e Moreira Franco, Romero Jucá (PMDB-RR) é outro que está na relação. Os três são quatro dos colaboradores mais próximos do presidente. O outro é Geddel Vieira Lima, que deixou a Secretaria de Governo ainda em novembro, acusado de tráfico de influência.


Afora o presidente, até onde se sabe, todos os pilares da República estão ameaçados. O núcleo duro do governo, as principais alternativas de oposição, os nomes mais fortes do governismo.


Quase nada ainda se sabe da lista. O impacto que tiver quando tudo vier a público é inestimável. Não há precedentes na história política brasileira. Irá se espalhar em cadeia por prefeituras e governos estaduais. Pouco que vazou, a se confirmar, será a desmoralização de praticamente tudo que o sistema político brasileiro construiu no pós-redemocratização. É um vexame completo, total e irrestrito.


A velha política desmoronou, e o mais trágico é que nada de novo se construiu. Não há horizonte. Caminhamos entre escombros.


O FUTURO

Os desdobramentos devem se prolongar. Da primeira lista de Janot, só cinco dos 54 investigados viraram réus, depois de dois anos. Menos de 10%. Nenhum foi julgado. Quanto mais abrangente o escândalo, maiores os interesses e os poderes envolvidos em abafar tudo. O tal “acordo nacional”. Porém, ser seletivo não é uma opção. Para o bem do futuro, a Lava Jato precisa ir às últimas consequências. A velha política, sob diferentes faces e formas, tenta resistir. Que seja sepultada.

 

Érico Firmo

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