PUBLICIDADE
VERSÃO IMPRESSA

O direito de não ser lembrado

2017-07-08 17:00:00
NULL
NULL
[FOTO1]

O caso do advogado espanhol Mario Costeja tornou-se emblemático no debate sobre o que se convencionou chamar de “direito ao esquecimento”. O termo refere-se ao direito de uma pessoa de proibir que um fato passado, acontecido em determinado momento de sua vida, mesmo sendo verídico, continue sendo divulgado publicamente, se isso causar-lhe sofrimento ou transtorno.

[QUOTE1]

O DEBATE ganhou extensão com o surgimento da internet, no qual arquivos eternos e implacáveis, podem continuar a perseguir alguém, mesmo que o fato tenha sido resolvido ou superado. É justo, por exemplo, uma pessoa que já cumpriu pena aparecer como criminoso a cada vez que seu nome é digitado em um motor de busca? É razoável que uma pessoa que foi detida pela polícia, quando jovem, por uma farra ou bebedeira, ser constrangida a vida inteira por esse fato de menor gravidade?


MARIO COSTEJA iniciou um processo na Espanha pedindo que o jornal La Vanguardia apagasse uma matéria, de 1998, em que ele aparecia como devedor do Estado, reivindicava ainda que o Google retirasse o link que remetia à notícia. Quando o nome de Costeja era digitado no motor de busca, a primeira coisa que aparecia era essa pendência, uma dívida que ele já havia pagado.


O processo foi parar no Tribunal de Justiça da União Europeia, que, em 2014, deu razão parcial a Costeja, mandando o Google retirar os links para a matéria. No entanto, ao jornal foi resguardado o direito de manter a notícia em respeito ao princípio da liberdade de imprensa. O Google foi entendido como um “controlador de dados” e, de acordo com a norma europeia, não poderia divulgar informação considerada “inadequada, irrelevante ou não mais relevante”.


NO BRASIL, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de decidir sobre a questão no processo em que a família de Aída Curi move contra a TV Globo. No programa Linha Direta, em 2004, o caso de Aída, uma jovem de 18 anos, assassinada após tentativa de estupro, em 1958, foi recontado. Os parentes da vítima pedem indenização da emissora sob o argumento de que o programa foi levado ao ar sem autorização e com o objetivo comercial. Para a família, rever o caso provocou transtornos e sofrimento. Nas instâncias inferiores os recursos da família foram negado.


COMO COSTUMA fazer em casos polêmicos, o STF organizou uma audiência pública, no início do mês passado, para debater o “direito ao esquecimento”. O objetivo do tribunal é colher subsídio antes de definir sua decisão nesse caso, que vai pacificar futuros julgamentos em processos semelhantes.


FALANDO DURANTE a audiência pública, o advogado da família de Aída, Roberto Algranti Filho, disse não ver o direito ao esquecimento como censura. Para ele, é preciso preservar esse direito, pois “muitas vezes (a vítima) fica marcada pela vida por uma notícia de interesse mórbido, que serve para vender jornal e publicidade, mas nada agrega de novo para a sociedade”.


EM CONTRAPONTO, a advogada da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Taís Gasparian, disse entender “a dor da família”, mas afirma não caber ao Judiciário dizer o que pode e o que não pode ser lembrado. Para ela, esse papel cabe à história. No entender da Abraji, já existem instrumentos legais, como a responsabilização civil ou criminal, para quem comete abusos no exercício do jornalismo ou da comunicação.


RECOMENDAÇÕES-CHAVE


A Artigo 19 (uma ONG dedicada à liberdade de expressão) admite o direito ao esquecimento, mas faz quatro “recomendações-chave”, com vários itens, para aceitar o procedimento, que deve ser “estritamente limitado” e com “requisitos mínimos” torná-lo compatível com o direito à liberdade de expressão.

Especificamente, o “direito ao esquecimento” deve ser limitado a particulares e os recursos devem ser somente contra buscadores, os “controladores de dados” (instrumentos como o Google, Bing, Yahoo). A Artigo 19 não admite ações contra serviços de hospedagem ou provedores de conteúdo (jornais e portais noticiosos, por exemplo).


CRÉDITO


Artigo 19: “Direito ao esquecimento” - cartilha apresenta argumentos a favor e contra (https://goo.gl/KUaZhn); Nexo: “O que é direito ao esquecimento” (https://goo.gl/c75cyN); EBC: “STF reúne especialistas para discutir o direito ao esquecimento” (https://goo.gl/ZsChtj) e “Abraji participa de audiência pública no STF” (https://goo.gl/9Szxst).

Adriano Nogueira

TAGS