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Urgente!
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Urgente!


O Brasil nunca viveu um momento tão rodrigueano, nem quando o próprio Nelson Rodrigues era vivo. Por justiça, até as exclamações deveriam retornar às manchetes dos jornais, respingando estridentemente a cada nova revelação dos irmãos Batista. Mala de meio milhão reaparece com dinheiro a menos! Dupla de Goiás que fez fortuna com carne, chinela de dedo e manteiga fatura na bolsa antes de se mudar para os EUA!! Trechos cortados de conversa entre delator e presidente tratavam de... mulheres!!!


Imagino o Nelson no meio desse balaio todo em que se transformou o País. Acendendo um cigarro atrás do outro, rolando a barra no computador, batucando mensagens no Whatsapp, salivando a cada lance de uma nova delação.


Ou estaria o Nelson apalermado, triste e sem emprego como outros 14 milhões de brasileiros, condenando, com o seu amuo característico, a sem-gracice de uma República ferida de morte por um instrumento tão estúpido quanto o gravador?

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Ora, diria ele: o grampo é burro! Tragam-me de volta as conversas de coxia, as diatribes intestinas, os arranjos palacianos descobertos por prostitutas depois de noitadas em cabarés de Brasília! Eu quero a corrupção exposta na sarjeta e não assim, lida por William Bonner numa asséptica escalada do Jornal Nacional! Quero bandidos negando a roubalheira cinicamente e não sendo flagrados por arapucas eletrônicas montadas pela PF!


E seguiria imprecando contra os políticos de hoje, todos umas cavalgaduras, mais ou menos como fez quando condenou o videotape, que estaria deixando o futebol mais idiota, eliminando a dúvida, matéria-prima de qualquer tragédia humana.


Nelson acharia o Brasil de hoje uma piada – mas sem graça. Num golpe (de nostalgia), teria saudades do Rio da sua época, antes do PMDB, do Sergio Cabral e do Eduardo Paes. Por tabela, lembraria do Brasil antes de os Jucá, os Machado e os Maia tomarem conta de tudo, rapinando e preparando o Grande Acordo Nacional. E ainda encontraria tempo para ridicularizar nossa falsa opulência exposta nos estádios da Copa do Mundo de 2014, esses santuários da gatunagem.

 

Que falta faz o Nelson... Ele certamente detestaria ler transcrições de áudios de delatores, exceto os de Aécio, claro, que são registros preciosos de um português na fronteira entre a linguagem de um líder de torcida organizada e um chefete de tráfico de drogas. Aí, sim, Nelson se lambuzaria, vendo no senador o autêntico tipo nacional, o gérmen da alma mater, ou seja, o canalha em desassombrada representação de si mesmo. Aécio é puro teatro, e teatro é Nelson Rodrigues.


E o que diria Nelson sobre o casal Michel e Marcela? Esse é meu capítulo preferido de todas as crônicas que ele jamais escreverá. Eu estrebucho de curiosidade só de imaginar o que o dramaturgo diria sobre os pombinhos presidenciais – os vestidos de Marcela, os modos melífluos do marido, os floreios de mãos, as mesóclises etc. Isso sem falar na vida íntima. Ah, a vida íntima...


Até na urgência o Brasil de hoje passou a morar na literatura dele. Duvidam? Agora, tudo é urgente: a gente liga a TV e a notícia é urgente. Olha o computador e está lá: urgente dançando na tela. Bota no rádio e a locutora soletra a palavra, saboreando cada sílaba: ur-gen-te. Entra nos portais e um berro de cabra vadia salta em letras garrafais, numa confissão de que, aconteça o que acontecer, toda unanimidade continuará sendo burra: URGENTE! Se tudo é de uma urgência urgentíssima, nada é tão urgente assim, diria Nelson Rodrigues, o mais brasileiro de todos os brasileiros.


Foto do Henrique Araújo

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