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O que acontece agora?
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

O que acontece agora?

A única questão que interessa aos brasileiros agora é: quem ocupará a cadeira de presidente da República caso Michel Temer renuncie ou seja cassado pelo TSE?


Há duas hipóteses. A primeira é a de que, com cassação ou renúncia, convoquem-se eleições indiretas pelo Congresso Nacional, o que resultaria numa escolha cujas regras ainda precisam ser conhecidas a fundo. Afinal, vale qualquer nome, seja da sociedade civil ou do próprio governo? Ou algumas restrições se impõem, vedando a possibilidade, por exemplo, de que magistrados envolvidos com as investigações da Operação Lava Jato participem da nomeação?


De imediato, porém, o que temos de certo é: assume o comando o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), primeiro na linha sucessória. Verdade que Maia é investigado na Lava Jato, mas não é réu, fator que o impediria de sentar na cadeira presidencial. O deputado é seguido de Eunício Oliveira, presidente do Senado, e Cármen Lúcia, que preside o STF.


Num cenário de eleições indiretas, duas figuras se destacam das demais: a própria Cármen Lúcia e Henrique Meirelles, ministro da Fazenda de Temer. Há ressalvas em relação a ambos, claro, mas de natureza distinta. Cármen reúne qualidades pessoais e políticas que a tornam um nome interessante, sobretudo num momento como este, em que políticos se veem alvejados a cada semana e o Congresso está na mira das forças policiais. O perfil da ministra contrasta com tudo isso, mantendo-se à margem do lamaçal e conservando uma áurea de respeitabilidade.


Pesa contra ela exatamente o fato de não ser uma candidata do sistema. Não se conhecem, por exemplo, suas opiniões sobre as reformas de Temer (Previdenciária e Trabalhista), tampouco como se comportaria em relação aos ministros já investigados na Lava Jato - manteria a cartilha adotada hoje por Temer, de só afastar em caso de se tornarem réus, ou exoneraria os oito ocupantes de cadeiras na Esplanada cujos malfeitos estão sendo apurados em inquéritos no Supremo? Isso certamente entraria no cálculo dos deputados e senadores na hora de escolher um sucessor para Temer.


O outro nome, Henrique Meirelles, é ventilado sob vários aspectos: é homem do mercado e do governo, responsável pelas reformas e principal articulador da ainda incipiente recuperação econômica. Alçá-lo à Presidência não representaria ruptura com a agenda atual, portanto. A seu favor, conta ainda certo traquejo político - Meirelles hoje é filiado ao PSD, partido de Gilberto Kassab.


Seu calcanhar de Aquiles é a proximidade com o grupo J&F, dono da JBS, ao qual foi ligado por muito tempo. Com a delação de Joesley Batista, um dos executivos do conglomerado, ainda sob sigilo, não se conhecem seus alcance e potencial de estrago. Por exemplo: Meirelles pode ter se beneficiado dessa relação ou favorecido de algum modo os ex-colegas de trabalho (hoje já se sabe que Temer forneceu à JBS informações privilegiadas sobre corte nos juros, o que teria permitido à empresa antecipar-se em relação às suas concorrentes)?


De uma maneira ou de outra, fato é que a situação de Michel Temer é insustentável, circunstância que só deve se agravar ainda mais quando do levantamento do sigilo das delações feitas pelos irmãos Joesley e Wesley, cujos estilhaços têm tudo para transformar as revelações de Marcelo Odebrecht em brincadeira de criança.


O roteiro da crise a seguir é conhecido e pode ser retirado da via-crúcis de Dilma Rousseff. Hoje mesmo, talvez, o PSDB deve selar o desembarque do governo, afastando-se tanto de Temer quanto de Aécio Neves, já defenestrado da presidência da sigla - em seu lugar, assumiu o cearense Tasso Jereissati, também senador.


Todos se lembram do rito que marcou a saída do PMDB da base do governo Dilma, episódio que lançou a sorte definitiva da ex-presidente. Numa cerimônia de pouco mais de dois minutos, o senador Romero Jucá, o mesmo da "sangria" e então presidente da legenda, consultou os presentes ao encontro, que levantaram as mãos positivamente ao abandono da petista. Dilma não resistiria por muito mais tempo.


Dois anos e alguns meses depois, Temer pode ser vítima do mesmo gesto que enterrou de vez o futuro político da ex-aliada, ao lado de quem disputou duas eleições como vice. A história se repete - primeiro como tragédia, depois como farsa. É um desses ensinamentos que, a despeito das grandes mudanças pelas quais passamos, permanecem atuais. Temer viveu a mesma crise duas vezes. Na primeira, como parte interessada na deposição da presidente. Na segunda, ele mesmo com a cabeça a prêmio.

 

Foto do Henrique Araújo

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