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Um país de bananas
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Henrique Araújo é jornalista e mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Articulista e cronista do O POVO, escreve às quartas e sextas-feiras no jornal. Foi editor-chefe de Cultura, editor-adjunto de Cidades e editor-adjunto de Política.

Um país de bananas


Uma amiga pergunta à queima-roupa: quando isso tudo vai passar? Faço cara de espanto. Não sei se se refere à volta do Felipão ao forró, à situação dos clubes cearenses no Estadual, ao sumiço das águas do açude Tijuquinha – pensei que tivessem sido abduzidas – ou à espalhafatosa troca de gentilezas entre o secretário da Segurança do Estado e bandidos supostamente ligados ao Comando Vermelho no Facebook. Será que fala da carne duplamente perigosa servida nos espetinhos da 24 de Maio? Ou da nova fase da Lava Jato, que chegou até a aldeia e agora bate à porta da taba comandada pelo cacique peemedebista?


Difícil precisar. Mais do que nunca, se alguém suspira na rua e deixa escapar que a vida está difícil, eu me alinho automaticamente. Seja por que razão for, tendo a concordar e dizer que tudo vai passar. É uma demonstração de otimismo vazia, eu sei. A gente se consola como pode. Nem sempre passa. Mas sempre calha de, havendo resposta ou não para os problemas pessoais ou coletivos, tudo se ajeita. Como dizia Eduardo Cunha quando soube que seria alvo de uma ação da Polícia Federal e que talvez fosse preso: vida que segue. E ele não estava blefando. Seguiu mesmo, e hoje Cunha mantém rotina na carceragem de Curitiba.


Isso tudo talvez explique por que a treta virou uma legenda para a nossa época. Quando historiadores se debruçarem sobre os anos 10 do século XXI, tenho absoluta certeza de que franzirão o cenho, acenderão um cigarro e refletirão, cheios de um pesar acadêmico: eis aqui um período em que as pessoas perderam uma fração preciosa da vida levando a sério o que os outros diziam. Nossa capacidade de entendimento hoje é a mesma de qualquer turma de 5ª série C um pouco antes de o coordenador da escola anunciar que a professora que daria a aula seguinte está doente e não poderá vir. Ou seja, zero. Somos um país pandemoníaco.


De qualquer modo, há sempre o consolo de que as instituições estão funcionando, não é? Errado. Afinal, não foi o MPF que publicou uma nota na semana passada se apresentando como quintessência do messianismo 2.0? Não é um ministro do Supremo que agora faz coro contra os vazamentos de delações na Lava Jato pouco menos de um ano depois de impedir que Lula se tornasse ministro por causa de áudios interceptados e divulgados ilegalmente? Não é a Procuradoria-Geral da República que organiza entrevistas e vazamentos seletivos entre órgãos de imprensa escolhidos a dedo?


Não é a Polícia Federal que se pavoneia da maior operação de sua história e escorrega feio ao superdimensionar um problema localizado? Não é o Governo Federal que silencia sobre citações de um terço do seu corpo ministerial e ninguém estranha isso? Não é o Congresso que, neste momento, prepara uma reforma política que irá anistiar os envolvidos nas investigações e impedirá o eleitor de escolher seus candidatos? Não é o juiz do TSE que, embora esteja à frente do tribunal responsável por julgar a chapa Dlima/Temer, é visto frequentemente confraternizando com os próceres do tucanato?


À amiga que perguntou quando tudo isso irá passar, pedi um momento para pensar. E depois outro. E, em seguida, mais um. A verdade é que não tenho resposta. Talvez não passe. Talvez isso tudo seja o novo normal. O lado bom é que vivemos o desrecalque, ou seja, os problemas estão emergindo aos borbotões. O lado ruim é que o País parece estar se cansando das tensões e ensaia uma anistia transcendente: aos políticos que roubaram; aos juízes que foram severos num dia para serem flexíveis no outro; e aos manifestantes que bateram panelas e agora rejeitam no prato as sobras de carne podre que restaram do banquete palaciano.


Foto do Henrique Araújo

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