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A função do Escândalo
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

A função do Escândalo


Nas histórias em quadrinhos, é comum aparecerem nos balões de fala dos personagens em conflito entre duas consciências uma que diz sim e outra que prega o não diante de um dilema. A dificuldade às vezes não está exatamente nos aspectos positivos e negativos das questões, mas no que está por trás da voz que diz para seguir a realidade do jeito que ela é, e a que lembra que a imaginação é uma potência transformadora.


Diante desse tipo de dúvida, o ponto essencial, segundo o filósofo marroquino Alain Badiou, é escapar do real. Isso não quer dizer alienação, pelo contrário, significa buscar o engajamento em campos que pareçam impossíveis. O argumento dele é que existe uma imposição dos sistemas dominantes para que pensemos que não dá para fazer nada contra a realidade, e isso tira a possibilidade de mudanças de fato em termos de política e formas de organização social.


Em uma conferência que fez há cinco anos na cidade de Lille, por ocasião do Citéphilo, evento anual de Filosofia, que ocorre na França, Badiou abordou exatamente outras hipóteses do real, diante das realidades das economias do mundo, da impotência da sociedade civil, do sofrimento das existências concretas e do veredicto dos mercados financeiros. Ele questiona o discurso econômico como fiador do real, considerando que os economistas e seus financiadores seguem reinando ainda mais depois de 2008, quando houve o estouro da bolha imobiliária estadunidense, que foi o estopim da atual crise mundial.


Ao refletir sobre as razões da experiência das pessoas de estarem submissas a esses discursos, ele considera o escândalo uma das forças de manutenção dos padrões dominantes. A sabedoria do uso do escândalo para nada mudar é que ele apresenta uma pontinha do real autêntico e agita a sociedade em um grande “golpe teatral”, no qual rolam algumas cabeças e, ao final, a sociedade tem a sensação de alívio e segue aceitando a financeirização como motor da coletividade.


O Brasil passa por um desses momentos que Alain Badiou chama de “real a céu aberto”. O frenesi das novidades incessantes das delações, das prisões e das cifras exorbitantes dos roubos ao erário público, tudo tratado como escandalosas exceções, não permite exatamente que se chegue ao que seria o foco do debate, que é o entendimento de que onde há muito dinheiro há corrupção.


Em sua fala, o filósofo argumenta que, por incrível que pareça, o melhor da peça teatral do capitalismo é “A democracia imaginária”, aquela que os espectadores e participantes aplaudem a qualquer sinal de vida protegida, de consumismo e outras “diversões” por onde se realiza o sujeito que não quer mais largar a figura do real, tão perto quantoas sombras da Alegoria da Caverna de Platão, que se apresentam como o que pode existir.


Para Badiou, nesse mundo intervalar, a hegemonia da coação econômica parece reduzir a política à tomada do poder do Estado, situação que acaba provocando a renúncia do ponto de vista de quem não renuncia. A saída, nessa perspectiva, é não se pautar apenas pelas leis das possibilidades. Para ele, a verdadeira possibilidade está por trás da máscara do real, onde se esconde o impensável e o irrealizável.

Foto do Flávio Paiva

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