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O caos há de nos servir

2017-06-03 17:00:00

É tarefa inglória falar de futuro no Brasil. Inglória, porém necessária. Conversando com um velho amigo no almoço de sexta-feira, tratamos da Colômbia. De como um País destroçado pelo crime organizado e por uma ruinosa guerrilha durante as décadas de 1970 e 1980 foi célere ao fundo do poço para, enfim, nas décadas seguintes, emergir com a força e o mérito capazes de superar o caos e eleger a virtude como motor de sua nova e invulgar trajetória.


Os dois eventos citados foram, digamos, as “guerras civis” que levaram o povo colombiano às dores mais profundas. Bem ou mal comparando, o povo brasileiro vive hoje a sua “guerra”. Não somente nas ruas, com os homicídios em patamares absurdos e os mortos e feridos em igual proporção na incivilidade do trânsito.
 

Assim como na Colômbia daqueles tempos, mas com diferenças relevantes, a institucional idade e a política brasileira foram, em boa parte, capturadas. Não pelo narcotráfico e a guerrilha, mas por métodos que exacerbaram o patrimonialismo a um grau superior como nunca antes em nossa História. Desta vez, com uma novidade: a esquerda no poder, cheia de si e esperta a ponto de se vender como a monopolista do bem. O melhor disfarce.
 

Continuo fazendo a minha otimista aposta aqui asseverada em textos anteriores: o caos há de servir para algo. Vamos ver.
 

O CONSERVADOR E O ATRASADO
Para começo de conversa, após tantos e variados eventos, moedas, planos econômicos e governantes para todos os gostos, podemos afirmar hoje com bom grau de certeza: o Brasil não deu certo. Alguém tem dúvida? Portanto, é preciso mudar a nossa cultura de gestão pública, a relação do cidadão com o Estado, a relação da iniciativa privada com o Estado e o próprio Estado.
 

O atraso está nas mentes que se dedicam, muitas vezes com violento afinco, a impedir as mudanças. Não! Tal sujeito não deve ser denominado de “conservador”, mas sim de “força do atraso”.  

 

Caracterizar o atraso de conservadorismo é outra ignorância que persiste entre nós. O conservador é aquele que quer conservar as instituições próprias da democracia e o valor das leis. O atrasado é o que luta para manter privilégios, sejam de ricos ou remediados, enquanto afirma que defende os pobres.
 

Quem entende que o Brasil não deu certo e quer mudar as estruturas que sustentam o atraso deveriam ser chamados de progressistas, que, no Brasil, virou sinônimo de esquerdista. Sinais trocados. Aqui, direita ainda luta para deixar de ser um palavrão ligado à ideia de ditadura militar, que nunca foi de direita, mas sim estatista e nacionalista. Nesse ponto, diga-se, a esquerda tem dado uma grande ajuda para dotar a atual direita de alguma virtude.
 

A VELHA DIREITA E ESQUERDA
Sugiro a leitura do excelente livro denominado 10 mandamentos: do País que Somos para o Brasil que Queremos. O autor é o cientista político Luiz Felipe d’Ávila. Como aponta uma crítica publicada no Estadão, o autor é presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), organização voltada à melhoria da gestão governamental, “e um dos poucos entre seus pares a não rezar pela cartilha marxista”.
 

Um não marxista é raridade no meio acadêmico brasileiro. Principalmente na área conhecida como “humanas”, como se desumanas fossem as outras áreas de estudo. Mas, voltemos ao livro. Além de apontar as saídas que considera viáveis para o País, o autor busca as raízes do antiliberalismo que marcaram a cultura política e econômica do Brasil nos últimos 100 anos.
 

Sim, o Brasil republicano nunca foi capitalista. Portanto, nunca foi liberal. Este termo é outro palavrão, com a variação “neoliberal”, que ganhou notoriedade na década de 1990, quando Fernando Henrique Cardoso implantou uma primeira pequena onda desestatizante no Brasil. Onda que logo virou espuma. De lá para cá, surgiram mais e mais estatais e, por natural consequência, mais e mais corrupção.
Na obra, d’Avila teve a competência de situar a velha direita e a velha esquerda como as raízes de nossos males. Lá, o autor aponta que foram Caio Prado, pela esquerda, e Oliveira Viana, pela direita, com suas ideias em defesa de um Estado forte, centralizador e autoritário, que deram sustentação teórica ao sentimento antiliberal que persiste até hoje, por meio do populismo, do nacional-desenvolvimentismo, do protecionismo e do patrimonialismo estatal.

Bingo!
 

ONDE MORA O ATRASO
Reproduzo a seguir trechos da crítica assinada pelo jornalista José Fucs (Estadão) acerca dos 10 Mandamentos: “A adoção desse modelo (antiliberal) não teria sido possível sem o apoio da elite política, empresarial, artística e cultural do País, interessada na obtenção de vantagens oficiais. Isso se confirmou nos governos Lula e Dilma, responsáveis pela concessão de bilhões de reais em créditos subsidiados, isenções fiscais, ajudas setoriais e reservas de mercado”.

D’Avila afirma no livro que a mudança de mentalidade, de atitude e de comportamento da elite brasileira é um dos maiores entraves para o País mudar de rumo e seguir um caminho mais promissor. Mas ele acredita que a nova geração de brasileiros, que valoriza mais a liberdade de escolha, deverá limitar cada vez mais o raio de ação do governo e aumentar o poder e a autonomia do cidadão. Seria uma mudança mais que bem-vinda.

OS VENTOS
Atentem para o último trecho acima em itálico e negrito. É o cheiro da nova estação que, de forma otimista, venho apontando em recentes textos. Como tenho dito, o caos, o fundo do poço e a quebradeira do setor público hão de servir para gerar virtudes. Inclua-se o Ceará velho de guerra nesse contexto.

Fábio Campos

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