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Nos tempos da euforia nacional

2017-03-04 17:00:00

Aparentemente, a capacidade do brasileiro de indignar-se havia chegado ao ápice com a série de delações de criminosos confessos no âmbito da Lava Jato e outras investigações paralelas. Qual nada. Eis que o jornal francês Le Monde nos apresenta a sólida suspeita de que a escolha do Rio de Janeiro para ser a sede das Olimpíadas 2016 foi comprada. O fato pode ser a cereja apodrecida em cima de um imenso bolo de lama.

Em resumo, o fato é o seguinte: três dias antes da escolha do Rio, ocorrida em outubro de 2009, em Copenhague, empresas do brasileiro Arthur Cesar de Meneses Soares Filho transferiram US$ 2 milhões para a família de Lamine Diack, então presidente da Associação Internacional das Federações de Atletismo e membro do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Investigado no âmbito da Operação Calicute, o braço carioca da Lava Jato, Arthur mantinha relações pessoais com o então governador Sérgio Cabral e prestava serviços para o Estado do Rio. De tão influente, o empresário recebera a alcunha “Rei Arthur”. Pois é.

No clima de tudo pode, na onda da ideia de eterna impunidade, no rastro de um infeliz método político que vingava à época, certamente a ideia central era a seguinte: a escolha do Rio demandaria bilhões e bilhões em obras. Com isso, dezenas de milhões e milhões em propina. Portanto, pagar alguns poucos milhões de dólares de jabaculê para garantir a vitória da candidatura carioca era apenas um pequeno investimento para estrondosos retornos financeiros.

Não há como não lembrar-se do verso do compositor Chico Buarque na bela Vai Passar: “Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”.
 

As tenebrosas transações foram percebidas pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que defendia a candidatura de Chicago. Barack, assim como o então presidente Lula, estava na solenidade que definiu a escolha do Rio. Chicago foi eliminada já na primeira rodada. Obama foi duramente criticado pela imprensa dos EUA por ter ido ao evento e fracassado.

A candidatura do Rio derrotou ainda Madri e Tóquio. Porém, em outubro do ano passado, Obama deu uma entrevista ao New York Magazine cujo conteúdo teve baixa repercussão no Brasil. O então presidente dos EUA expôs com muita clareza suas, digamos, suspeitas de que a escolha do COI sofreu, digamos, influências externas. Vejam:

“Um comitê (dos EUA) muito eficiente foi para Copenhague para fazer sua apresentação. Michelle tinha ido com eles e eu recebi uma chamada indicando que todos pensavam que, se eu fosse lá, teríamos boa chance de conseguir e que valeria a pena fazer um dia de viagem até lá. Assim, decidimos viajar”.

“Subsequentemente, fomos informados de que as decisões do COI são similares às da Fifa: um pouco arranjadas. Não passamos da primeira fase, apesar de que, por todos os critérios objetivos, a candidatura americana era a melhor”. Na entrevista, Obama relatou que sua delegação sabia que Chicago não tinha vencido antes mesmo de os votos terem sido abertos.

Era o Brasil grande em ação. Era o gigante que havia acordado e que daria as cartas no jogo das nações. Era o colosso que reivindicava vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Hoje, além dos escândalos escancarados, resta a prisão para alguns e a expectativa do sol quadrado para outros.

Fábio Campos

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