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Para indignação da senhora Thatcher

2017-02-25 17:00:00
Não gosto do termo “dinheiro público”. É uma miragem. Não existe “dinheiro público”. O termo passa uma falsa ideia. Sugere algo que a ninguém pertence. Sem dono. Portanto, não é pedagógico. Então, busco não usar o termo para, por exemplo, criticar o uso do “dinheiro público” pelos governos para contratar shows de entretenimento, distribuir grana para clubes de futebol ou, o que é comum, empregar nas mais dispendiosas e erradas opções. Estão aí o CFO e o Acquario como reluzentes exemplares.

O termo “dinheiro público” remete a um famoso discurso de Margaret Thatcher, primeira ministra da Inglaterra por 11 anos (1979 a 1990). Vamos a um trecho: “Um dos grandes debates do nosso tempo é sobre quanto do seu dinheiro deve ser gasto pelo Estado e com quanto você deve ficar para gastar com sua família. Nunca nos esqueçamos desta verdade fundamental: o Estado não tem outra fonte de recursos além do dinheiro que as pessoas ganham por si próprias. Se o Estado deseja gastar mais, ele só pode fazê-lo tomando emprestado de sua poupança ou cobrando mais tributos, e não adianta pensar que alguém irá pagar. Esse ‘alguém’ é você”.
“Não existe essa coisa de dinheiro público, existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos. A prosperidade não virá por inventarmos mais e mais programas generosos de gastos públicos. Você não enriquece por pedir outro talão de cheques ao banco. E nenhuma nação jamais se tornou próspera por tributar seus cidadãos além de sua capacidade de pagar. Nós temos o dever de garantir que cada centavo que arrecadamos com a tributação seja gasto bem e sabiamente”.

“Proteger a carteira do cidadão, proteger os serviços públicos, essas são nossas duas maiores tarefas e ambas devem ser conciliadas. Como seria prazeroso, como seria popular dizer: ‘Gaste mais nisso, gaste
mais naquilo’. É claro que todos nós temos causas favoritas. Eu, pelo menos, tenho, mas alguém tem que fazer as contas. Toda empresa tem de fazê-lo, toda dona de casa tem de fazê-lo, todo governo deve fazê-lo, e este irá fazê-lo”.

Pois é. O dinheiro não é público. Apenas é cedido por cada um de nós para que os governos o gastem sabiamente e a favor de cada um dos pagadores de impostos. É o que temos visto no Brasil, no Ceará e nas cidades? Com raras exceções, não. E um dos símbolos maior do uso irresponsável do dinheiro cedido por cada um dos leitores (e também os que passam longe destas letras) é a contratação de shows pelos governos.
No âmbito estadual já houve um freio. Fruto da crise. Mesmo assim, o Governo do Estado não se intimidou ao distribuir R$ 1,7 milhão para clubes de futebol profissional. Não é show de música, mas está na mesma linha do entretenimento. Porém, nos municípios, mesmo as mais pobres populações estão bancando gastos milionários com a contração de bandas para a efeméride do Carnaval.

A cidade de Granja, pobre de dar dó, acha que pode gastar R$ 700 mil com a contratação de shows no Carnaval. Em sua resposta a um comentário do meu blog, a Prefeitura de Granja dedurou outras cidades que caminham no mesmo lamentável rumo. Vejam:

“Vale lembrar que outros municípios cearenses lançaram gastos com o Carnaval significativamente semelhantes ou superiores ao de Granja, como São Benedito, Camocim e Aracati, por exemplo, que declararam gastar R$ 802 mil, R$ 856 mil e 1,5 milhão de reais, respectivamente”. Que coisa, não é?
Aracati está em estado de emergência e com graves problemas financeiros que afetam gravemente o setor de saúde. Portanto, gastar com Carnaval é escárnio. O que falar das portentosas Camocim e São Benedito? Ora, nem que essas cidades estivessem nadando em dinheiro (público) poderiam embarcar nesse abuso.

Vejam bem. Contratar bandas não requer competência administrativa. Muitas vezes, nem sequer precisa de licitação. É moleza. Não é serviço público. Não é atividade fim dos governos. E ainda se presta aos esquemas que se
nutrem de tais proezas. Já chega.

Fábio Campos

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