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Joesley e a ética de Oscar

17:00 | 24/06/2017
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Ouvindo e reouvindo Joesley Batista, o açougueiro que virou rei na República da propina, me lembrei de seu Oscar do frigorífico.

Um senhor, lá pelos 60/70 do século passado, que fez a vida vendendo carne no alpendre da casa, no Parque Araxá. Era honesto, mas por causa de um deslize se arruinou no arrependimento.

Não tinha vocação para ser um dos ratos feito os irmãos Batista. Nem encarnaria o tunante Sérgio Machado e muito menos o gaudério Aécio Neves. Ou qualquer outro desclassificado descoberto na Lava Jato e Petrobras.

E, mais penoso, tinha um constrangimento profundo de ter tentado levar vantagem em cima da freguesia. Via-se o doído nos princípios dele.

Parece que ainda o vejo. Carne cortada a facão da folha larga, rasgada em tronco grosso de maçaranduba, cheio de marcas de golpes do velho facão.

Balança de prato com pesos de 1kg, 2kg, 5kg, 10kg. Carne embrulhada em jornal.

Chegava a vender panelada aos sábados e ainda abastecia os “figueiros”.

Aqueles homens a cavalo que tiravam mercado dele na venda da carne de moita. Seu Oscar, não.

Era meio rude no trato, mas doce. Um coração de boi. Toda vida que colocava a bandeira vermelha nas grades do açougue, mamãe mandava a gente lá. Era o aviso de que havia chegado carne nova.

E como não tinha câmara frigorífica, vendia rápido o que vinha do Frifort.

Carne de procedência e corte especial no filé, patinho, chã de dentro e moída sem langanha.

Lá em casa, não era todo dia que se comia carne. Não, não. Era uma raridade e mamãe não abusava da caderneta de seu Oscar. Era um quilo, no máximo um quilo e meio.

Cortada e contado os pedaços certos pra assar na cebola branca e alho, depois de batida na pimenta do reino. Uma coisa. E mamãe mesmo fazia os pratos para que nenhum dos seis filhos comesse a carne do outro.

Pois bem, um dia denunciaram seu Oscar à Saúde Pública. Uma única vez.

E acho que quis ajudar um caboclo que matava porco no quintal. O açougueiro conheceu o inferno.

A Vigilância Sanitária baixou no frigorífico com um destacamento policial.

Era pra fechar o estabelecimento e levar o homem. Não carecia. Seu Oscar resistiu, havia tomado umas canas.

Foi às vias de fato com um meganha. Levou um soco e perdeu um dente de ouro que o protético do Exército havia colocado quando serviu no Tiro de Guerra do Iapi.

Solto, uma semana depois, não aguentou a vergonha na rua, no bairro. De olhar na cara dos filhos, da mulher. De ser atravessado pela maledicência dos outros.

E a falta do dente de ouro também lhe feriu a dignidade. Bebeu de desgosto até morrer, deixando viúva, filhos e o frigorífico. Nenhum filho deu pra vigarista. 

 

DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO

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