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Ao Seu José

17:00 | 18/03/2017
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Recebi de um leitor anônimo, que não tem facebook nem twitter. Não faz stories nem snapchat. Disse ter me encontrou por acaso nas páginas de papel do O POVO. Uma dessas de enrolar peixe de água doce no Porto das Canoas do imenso Orós:


Caro São José, não sei se foi influência mesmo do senhor. Mas veio em bom destino a chuva quase todo dia deste março. E também em janeiro e o Carnaval debaixo d’água.


Espero que o chovoeiro tenha afugentado a seca que não queria ser ir. Cinco anos seguidos de chuva seriam bem-vindos pra vingar a mata, refazer os ninhos e encantar São João.


Escrevo para o senhor, porque me parece ser mais gente do que santo. Mais humano e quase um bicho, um pé de pau que refloresta ou uma borboleta vivendo e morrendo.


Não sou desses sabidos, todo, do Evangelho. Já fui alguma coisa além de hoje, tempo da teologia de dom Fragoso e o cheiro saudoso do bamburral na subida da Serra das Almas. Meu Crateús subversivo e as saudades de nunca ter voltado.


Pois deixe eu confessar uma admiração. O senhor nunca teria dito uma palavra nas páginas da Bíblia? E fui aos apóstolos conferir. Realmente, não há um cordel ou lamúria saída da boca do senhor.


Nem quando poderia ter sido machista e rejeitado um filho que não era “seu” ou apedrejado a conversa de uma moça. Fiquei querendo ser tão criatura quanto o senhor e ainda chover!


Sei que tudo pode ser um grande conto cristão, mas contos também servem pra fazer viver. Imagine a Terra sem os contadores de potocas, sem os profetas da chuva?


Pois queria lhe pedir alguns desejos. Que os peixes voltem pra cada açude que a seca levou. Que a casaca-de-couro torne a fazer aquelas arquiteturas medonhas no beiço d´água. Que tenha canto de sapo porque isso é bom aviso...


Por isso fiz promessa e não foi por minha mãe, já senhorinha, que se abateu com as dores da tal chikungunya. E ela ficou feliz. Pedi pelo Castanhão, pelo Orós, pelo do Banabuiú de Marta Aurélia que foi embora e virou atriz em Fortaleza. Pelo Pedras Brancas, o Araras, o Pentecoste.


Também pelas meninas e meninos da Caatinga. Por ela, estorricada e derrubada na lenha das pizzarias e loteamentos para prédios que estão chegando por aqui.


Pois São José, só mais uma coisa. Sei que não é de sua natureza, mas intermedie com algum santo “um mandado de despejo pra esses mandarins do Mundo”. Povo que pensa que a Terra é só deles, de alguns donos.


Que o vento pode ser vendido, assim como a água da chuva, as árvores, os passarins e, agora, o sol. Se está no mundo é de toda a Terra. Então, “fora eles, charlatões da sinceridade, da vida dos outros”. Isso é meio Álvaro.


São José, vou abrir hoje todas as janelas e portas em cerimônia ao senhor. Recebê-lo em chuva ou correr pra rua, atrás de alguma bica, pra me banhar o domingo. Mesmo que o senhor, talvez, nunca tenha existido... Mesmo que hoje, logo hoje, faça Sol...


DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br


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