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A cidade misturada

17:00 | 04/02/2017


Talvez tenhamos de aprender a não jogar fora a Cidade que temos. Não destruí-la por preconceitos particulares nem inventar “novidades” que assaltam o espírito coletivo. O tal sentimento público pouco regado.

Daí a precisão de reusar a Cidade, de adaptá-la ou reavivar espaços públicos que pedem novos usos. Mais ou menos assim, o que ouvi de Fausto Nilo numa conversa pública sobre Fortaleza 2040.

Não faço a diferença entre o arquiteto e o poeta. Tenho necessidade dos dois e ando precisando ouvir esperanças e não juras de ódio, “justiça ou cemitério”. O olho por olho é anacrônico pra Cidade que necessita fazer as pazes com ela mesma.

Paz! Para usar um jargão de Camilo e Izolda que se socorrem do Ceará Pacífico.

Mas, ao mesmo tempo, é contraditório pregar a reconstrução dos territórios de convivência e um secretário cunhar que na bala Fortaleza será melhor. É anacrônico.

O entrave, volto a Fausto Nilo (e Delberg Ponce de Leon), é que Fortaleza foi se separando. Criando muros, cercas elétricas, segregando e enxotando quem não era da Aldeota. Por isso tanto entojo da ideia da Cidade misturada.

Sentimento impregnado em toda a província. Pobre contra miserável, rico contra o mais-ou-menos... O mais-ou-menos contra o favelado... O emergente contra o fodido...

Não vou para “festa” tal porque o canelau é perigoso... Então, invento um corso de smoking, vestido longo e máscaras venezianas... E ainda chamo policiais, à paisana, para leões de chácara.

Enquanto for assim, Camilo pode colocar todo ano cinco mil homens e mulheres na PM. Roberto Cláudio idem com a polícia municipal. Armados até os dentes e prometendo tirar o escalpe de marginais. As ruas continuarão violentas.

Vai todo mundo se beijar de uma hora pra outra? Virar amiguinho? Almoçar na mesa do patrão? Transar com a sinhá? Não é obrigado, mas carece da Cidade se misturar mais.

De um equipamento público deixar, por exemplo, de ser obstáculo e se transformar em ponte entre bairros, entre vizinhanças. Ser lugar de oportunidades e afetos, para quem luta (por geração) contra a pindaíba.

Coisa assim parecida com o equívoco, nada inclusivo, do Centro de Convenções.

A começar pelo acesso. Foi feito para motorizados.

Pobre, a pé, tem de enfrentar trincheiras e pode morrer na Washington Soares. Bismarck Maia, então secretário do Turismo, teve de improvisar passarelas. Mais custos e desculpas amarelas.

Foi construído no lugar errado, poderia ter ido para a Praia de Iracema. Fausto Nilo avalia. Lugar das confluências, de artistas, do Dragão, dos hotéis, da chance de incluir... Mas não, é quase um cemitério.

Mesma lambança do Acquario, na PI. Nascido sem licitação e nenhuma conversa honesta com quem mora no entorno. No máximo, previa subempregos para o povo do Poço da Draga.

É o roteiro repetido da exclusão, da distribuição de migalhas e privilégio de alguns. Nunca da partilha, não falo nem em repartição de lucros...

Estaria tudo errado? Viadutos que vão dar em engarrafamentos. Aeroporto que não pode se expandir. Lixo que só vira prosperidade pra ricos. Parques precários...

Caminhos sem árvores, sem sombras para ir de bicicleta. Terminal de tancagem ainda entre residências. Pombais para pobres. Metrô que nunca chega nem se interliga...

Fortaleza 2040 é uma via, também, da discussão divergente. Que antecipa a Cidade hoje. Quase sempre pensada em cima dos prejuízos sociais, ambientais e afetivos... Um custo muito alto pra vida, principalmente, no espaço da rua.


DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br

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