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Boas novas para os velhos

2017-04-16 01:30:00
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Por José Evangelista

 

Quem já dobrou o Cabo da Boa Esperança da idade, que nem eu, começa a se interessar pelo tema do envelhecimento e como enfrentá-lo com um mínimo de achaques. E quem prefere acreditar no que diz a ciência, desdenhando soluções piegas e inócuas das redes sociais, logo vai buscar fontes mais confiáveis na literatura especializada e na internet.


POIS BEM, AS NOTÍCIAS SÃO ANIMADORAS. VAMOS A ELAS.

Segundo os cientistas, nosso organismo possui uma espécie de “relógio” interno que marca a passagem da vida. Na metade do século 20, o biólogo Leonard Hayflick descobriu que nossas células aparentam ter um tempo de vida predeterminado e param de se reproduzir após um número finito de divisões. Esse número ficou conhecido como “limite de Hayflick”.

Ninguém sabia como essa medida de tempo era feita pelas células até que a australiana Elizabeth Blackburn descobriu uma relação entre o tempo de vida das células e o comprimento dos “telômeros” dos cromossomos. Telômeros são pedaços de DNA que ocupam as pontas dos cromossomos. Pense naquela pecinha de metal ou plástico que protege a ponta de um cadarço e evita que ele se desfie. O telômero faz coisa semelhante com o cromossomo.


Só que, a cada divisão da célula, os telômeros vão ficando mais curtos. A pesquisadora descobriu que esse encurtamento está ligado ao “relógio” interno que mede o tempo de vida da célula. Essa relação foi comprovada e Blackburn ganhou o Nobel de Medicina em 2009 por esse trabalho.


MAS, OS TELÔMEROS SÃO APENAS PARTE DESSA HISTÓRIA.

Em 2013, o matemático e biólogo alemão Steven Horvath descobriu uma inesperada correlação entre processos epigenéticos que ocorrem nas células e a idade cronológica dos portadores dessas células.

Processos epigenéticos são modificações no genoma que não alteram o DNA, mas podem influenciar a forma como alguns genes contidos nesse DNA realizam suas ações na célula. Existem vários processos desse tipo, mas Horvath estudou especialmente um deles, chamado de “metilação”, onde radicais metil (CH3) se ligam a bases do DNA.


Horvath criou um algoritmo que associa o número de metilações no DNA de uma pessoa com a idade dessa pessoa. Com esse programa ele viu que era capaz de acertar a idade da pessoa apenas medindo a taxa de metilação nos cromossomos de várias partes do corpo. A correlação era tão alta, acima de 96%, que o artigo que enviou para uma revista foi rejeitado, pois o editor achou o resultado bom demais para ser verdadeiro.


Horvath, então, disponibilizou seu programa na rede, permitindo que outros pesquisadores usassem o algoritmo com seus próprios dados. O resultado foi incrível. Em um dos testes, feito por holandeses, a correlação chegou a 99,7%! Isto é, o programa permitia saber a idade de uma pessoa desconhecida, apenas pela medida da taxa de metilação de uma amostra do DNA dessa pessoa, com erro inferior a 1 ano.


Esse método pode ter inúmeros usos possíveis, inclusive na medicina legal para determinar a idade de vítimas ou agressores na investigação de um crime.


Porém, algo ainda melhor surgiu em pesquisas posteriores utilizando o método de Horvath. A equipe do pesquisador descobriu que a idade epigenética medida pelo algoritmo pode variar para diferentes partes do corpo e pode ser diferente da idade cronológica, em alguns casos interessantes. Em outras palavras, em um mesmo indivíduo, alguns órgãos envelhecem mais vagarosamente que o corpo como um todo.


Estudando super-centenários, isto é, gente com 110 anos ou mais, Horvath e seus colegas descobriram que o cerebelo desses resistentes envelhecia bem mais devagar que os demais órgãos. O cerebelo é encarregado de controlar funções motoras e funções cognitivas, como a linguagem. Aparentemente, segundo observaram os pesquisadores, o cerebelo para de envelhecer quando a pessoa ultrapassa os 80 anos.


GRANDES NOVAS PARA OS VELHINHOS!

Esse resultado, por si só já bastante animador, e provocou uma pergunta fundamental: será que o relógio epigenético está ligado a algum processo biológico que controla o envelhecimento? Se esse for realmente o caso, estaremos com uma possibilidade muito promissora, pois o processo de metilação é reversível. Pode-se, portanto, especular sobre alguma forma de retardar os ponteiros do relógio que age nas células, talvez até freando o processo de envelhecimento.

Nem todo mundo, no meio científico, confia completamente nessa hipótese, apesar dos resultados contundentes de Horvath e outros pesquisadores. De qualquer forma, a pesquisa nessa área segue cada vez mais animada e todo dia surgem novidades. Vale a pena ficar de olho, acompanhando os progressos através das publicações e da internet.


Talvez os frutos desses trabalhos não possam ser aproveitados por mim e meus colegas de idade no presente, mas podemos torcer que façam grande diferença para os velhinhos que estiverem assistindo a Copa do Mundo de 2030.


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