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A matemática da desigualdade

2017-01-29 01:30:00

José Evangelista

 

Recentemente, ficamos sabendo que oito caras possuem a mesma quantidade de dinheiro que metade da população do planeta. Eis aí um bom mote para iniciar uma matéria sobre a desigualdade.


Se o mundo fosse justo, o dinheiro de qualquer país seria dividido igualmente entre todos os cidadãos. Nenhum país do mundo é assim. A distribuição da riqueza de toda nação do planeta é bem diferente dessa utopia.


No final do século 19, o engenheiro Vilfredo Pareto mostrou que, na Itália de seu tempo, 20% da população era dona de 80% da terra produtiva. O resto ficava para os 80% menos afortunados.

 

Logo, verificou-se que essa “curva ou distribuição de Pareto” era muito geral e descrevia não apenas a situação italiana, mas valia para qualquer outro país. Além disso, serve não apenas para descrever a posse da terra, mas para todas as formas de medir a distribuição de riqueza nas nações.


Também não depende do sistema econômico ou político adotado pelo país. Frustrando as esperanças dos teóricos marxistas dos séculos 19 e 20, a economia da União Soviética sempre exibiu uma distribuição de Pareto semelhante à inglesa ou francesa.


Outro italiano, Corrado Gini, em 1912, concebeu um índice para medir o grau de desigualdade na economia. Esse índice pode ter valores entre 0, que indica igualdade absoluta (todo mundo ganha a mesma coisa), e 1, desigualdade completa onde um só cidadão detém toda a riqueza da nação. A notícia referida no início mostra que o índice de Gini do mundo atual está chegando perto de 1.


Desde o tempo de Pareto, os economistas e sociólogos quebram a cabeça para explicar porque a desigualdade é a regra em todo país do mundo, variando apenas na intensidade. Mas, foram os físicos que primeiro apresentaram algum tipo de explicação matemática para esse fenômeno.


Dois físicos franceses, Jean-Philippe Bouchard e Mark Mezart, aproveitando o que sabiam sobre o comportamento de polímeros em meios viscosos, bolaram uma simulação de computador para estudar a distribuição das riquezas. Consideraram a economia de um país como uma rede de unidades interagentes e deixaram esse sistema evoluir a partir de uma situação inicial em que a riqueza estava mais ou menos distribuída entre os habitantes. Em seguida, o dinheiro fluía de acordo com as atividades normais de qualquer economia.


A simulação mostrou que logo a riqueza começava a mudar rapidamente de mãos e as diferenças passavam a surgir. Quando, por alguma razão, um elemento qualquer do sistema ganhava um pouco mais que os outros, a tendência era que esse aumento fosse cada vez mais intensificado. Como diz o ditado, dinheiro atrai dinheiro. Em todas as simulações, a distribuição da riqueza depois de algumas iterações sempre tendia para uma curva de Pareto.


Em outras palavras, a desigualdade talvez seja o destino inescapável de qualquer sistema de agentes econômicos livremente interagentes, independentemente da situação original. Parece até que é uma lei natural, como as leis da termodinâmica.

 

Entretanto, a pesquisa dos franceses e outras que vieram a seguir mostraram que há como driblar, pelo menos parcialmente, essa tendência para o acúmulo de dinheiro nas mãos de poucos privilegiados. A curva de Pareto pode ser menos drástica. Como fazer para que isso aconteça?


No modelo dos franceses, a forma da curva de Pareto podia ser modificada com o ajuste de alguns parâmetros que governam as interações entre os elementos. Um desses parâmetros considera a quantidade de transações na economia. Quanto mais intensa a troca de recursos, menor a desigualdade na distribuição, dizem os resultados do modelo.


Outro resultado interessante da pesquisa desmente a opinião de quem acha que o bolo deve crescer antes de começar a ser repartido. Só aumentar a riqueza total sem a participação de um grande número dos elementos interagentes agrava os mecanismos que favorecem a distribuição desigual e injusta dessa riqueza em crescimento.


O modelo mostrou também que o livre comércio, fetiche de todo teórico de direita, só contribui para melhorar a distribuição se não permitir medidas protecionistas. É provável que, com o governo de Donald Trump, a economia norte-americana desvie na direção do protecionismo. Se o modelo dos franceses estiver correto, contrariamente ao que pregou o candidato vitorioso, essas medidas não servirão para diminuir o desemprego nos Estados Unidos. Nem levarão a uma distribuição mais justa da riqueza entre as nações.


Enfim, a ciência até que mostra formas de incrementar a igualdade econômica. A política, porém, prefere seguir outros caminhos, como vimos no caso norte-americano. Aqui no Brasil os defensores dos mais ricos, incluindo entre eles os religiosos que dizem que a desigualdade entre ricos e pobres é a vontade de Deus, estão cada vez mais firmes nas altas esferas do poder. E continuam sendo eleitos.


Adriano Nogueira

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