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Psiquiatra discute o desafio de pesquisar a maconha no Brasil
Ciência e Saúde

Psiquiatra discute o desafio de pesquisar a maconha no Brasil

Especialista aponta benefícios do uso medicinal da maconha, além do potencial pouco explorado da droga no combate ao câncer. Dartiu Xavier da Silveira ainda critica entraves para a pesquisa
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Psiquiatra, consultor do Ministério da Saúde e coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dartiu Xavier da Silveira é categórico ao afirmar que, em nome da “guerra às drogas”, o Brasil passou por uma “lavagem cerebral que não deixa enxergar avanços da ciência no estudo de substâncias (da maconha) que podem ajudar tanta gente”. Em entrevista por telefone, o professor descreve doenças cujos tratamentos podem ter benefícios com derivados da maconha, aponta entraves à pesquisa no País e defende regulamentação do uso medicinal da planta. (Domitila Andrade)


O POVO – Quais pacientes podem ser beneficiados pelo uso da cannabis?

Dartiu Xavier da Silveira – Tem várias doenças que se beneficiam de uso de maconha medicinal. Na esclerose múltipla, a maconha promove uma movimentação normal, porque ela relaxa; em quadros de anorexia, quando a pessoa não se alimenta mais, também pode abrir o apetite e a pessoa volta a ganhar peso; da mesma forma com pessoas que têm aids. Em cânceres, tem muitos pacientes que sofrem com os efeitos colaterais da quimioterapia. Nesses casos, se a maconha vier junto com a quimio, o paciente tem os efeitos colaterais amenizados e consegue fazer o tratamento. O meu grupo de pesquisa publicou, há três anos, resultado em pacientes com um tipo de tumor cerebral chamado de mioma, que desapareceu com o uso de maconha. A gente observou que mesmo em pessoas que não fizeram o tratamento convencional e utilizaram a maconha, alguns tipos de tumores, como o mioma, o tumor de próstata e o de intestino, regrediram só com o uso da maconha. Tem um potencial terapêutico para câncer pouco explorado.
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OP – Como o senhor analisa o recente aprovação do registro do Mevatyl pela Anvisa?

Dartiu – É importante o que está acontecendo. A gente está muito atrasado em relação a vários países. Aqui existe uma visão muito preconceituosa em relação à droga. As pessoas acham que um remédio não pode advir de uma droga, quando, por exemplo, o ópio é uma droga que causa muita dependência — e a heroína é uma droga muito agressiva que vem do ópio. Mas derivam também do ópio grandes remédios que são usados no mundo inteiro, como a morfina e a codeína. Não é a droga que tem de ser banida, é o uso que é feito dela que tem de ser regulado. E é isso que Anvisa pode estar começando a fazer. Para que quem precisar não deixe de ter acesso por uma questão de preconceito.

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OP – Há diferença entre o canabidiol (CBD) retirado da planta e o sintético?

Dartiu - Existe. É ótimo que se tenha o sintético, mas os efeitos do que vem da planta são melhores, porque existe outros componentes que também têm efeito terapêutico, além do CBD. Quando se tem a planta, tem o CBD, o THC (tetraidrocanabinol) e mais de 60 substâncias canabinoides. E é justamente a combinação dessas

substâncias que soma os efeitos terapêuticos.


OP – Por que o THC ainda é tão polêmico?

Dartiu - Existem relatos de algumas pessoas que têm sensibilidade a ele e elas podem desenvolver um problema psíquico. Em cima disso, se criou uma questão que o THC deve ser proibido porque ele levaria à loucura, mas, na verdade, acontece com pessoas vulneráveis e numa proporção mínima. E não tem isso que a maconha é uma porta de entrada para outras drogas. Isso é um mito que se criou.

OP – O que é feito de pesquisa hoje no País?

Dartiu - Para pesquisa, a burocracia dos órgãos governamentais é muito rigorosa. Para conseguir maconha para fazer pesquisa, tenho de esperar dois anos. Agora, o contrassenso disso é que, se a pessoa é usuária de maconha, liga para o traficante e ele entrega em casa. Então, que raio de lei é essa que só consegue proibir o uso medicinal, controlado e para pesquisa e não consegue controlar que os traficantes vendam uma maconha batizada, de péssima qualidade? descriminalizando.

OP – Existe risco na fabricação de extrato caseiro de maconha?

Dartiu - Não é um risco, mas não vai ter a mesma qualidade de um produto (que passou por um controle). Como é muito caro e é muito difícil o acesso, se eu tivesse uma limitação financeira e um parente meu precisasse, eu iria plantar em casa. Daí se consegue o remédio. E, mesmo que não seja o ideal, é muito melhor do que você não dar o remédio.

 

OP – Como o senhor vê a relação dos médicos com essa questão?

Dartiu - Precisa avançar, porque a maioria dos médicos é mal informada sobre o assunto. A maioria tem a visão preconceituosa sobre a maconha e tem medo de pensar. Por outro lado, têm vários médicos que fazem isso já de rotina. Mas é algo que precisaria de programa de formação.
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